Apresento este Blog através das palavras do Prof. Dr João Francisco Duarte Jr.

“A capacidade humana de atribuir significações decorre de sua dimensão simbólica. Por intermédio dos símbolos o homem transcende a simples esfera física e biológica, tomando o mundo e a si próprio como objetos de compreensão. Pela palavra, o universo adquire um sentido, e o homem pode vir a conhecê-lo, emprestando-lhe significações. Portanto, na raiz de todo conhecimento subjazem a palavra e os demais processos simbólicos empregados pelo homem.


“A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente”, afirmam Postman e Weingartner. É preciso que se compreenda o processo lingüístico para que se entenda o que significa conhecer. Não há conhecimentos sem símbolos. O esforço humano para compreender é o esforço para encontrar símbolos que representem e signifiquem o objeto conhecido. A consciência e a razão humanas nascem com a linguagem e só se dão através dela”.


João Francisco Duarte Jr.



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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Despedida à turma de Pedagogia da Uniesp






Galerinha, o que tenho pra falar pra vocês...

É que foi muito bom conhecê-los e conviver com vocês durante esse período.

Saiba que vocês vão ficar no meu coração!

E não é porque deixei o curso, que não podemos continuar nos encontrando e jogando conversas fora - Até porque moramos na mesma city, né... E eu adoro vocês!

Aparecem em casa, caminhadinha de leve no Bosque (Dª Érica, Paula, Elizangela e Gabi) combinam batata e happy hour na Facbeer, e assim vai...Qualquer convite estou topando para darmos risadas e fofocarmos um pouquinho.

A todos o meu carinho!

Amo vocês
Beijosssssssssssssssssssssss

domingo, 12 de setembro de 2010

Por que as pessoas entram na sua vida?







Pessoas entram na sua vida por uma "Razão", uma "Estação" ou uma "Vida Inteira".


Quando você percebe qual deles é, você vai saber o que fazer por cada pessoa.



Quando alguém está em sua vida por uma "Razão"... é, geralmente, para suprir uma necessidade que você demonstrou. Elas vêm para auxiliá-lo numa dificuldade, te fornecer orientação e apoio, ajudá-lo física, emocional ou espiritualmente. Elas poderão parecer como uma dádiva de Deus, e são! Elas estão lá pela razão que você precisa que eles estejam lá. Então, sem nenhuma atitude errada de sua parte, ou em uma hora inconveniente, esta pessoa vai dizer ou fazer alguma coisa para levar essa relação a um fim. Ás vezes, essas pessoas morrem. Ás vezes, eles simplesmente se vão. Ás vezes, eles agem e te forçam a tomar uma posição. O que devemos entender é que nossas necessidades foram atendidas, nossos desejos preenchidos e o trabalho delas, feito. As suas orações foram atendidas. E agora é tempo de ir.

Quando pessoas entram em nossas vidas por uma "Estação", é porque chegou sua vez de dividir, crescer e aprender. Elas trazem para você a experiência da paz, ou fazem você rir. Elas poderão ensiná-lo algo que você nunca fez. Elas, geralmente, te dão uma quantidade enorme de prazer... Acredite! É real! Mas somente por uma "Estação".


Relacionamentos de uma "Vida Inteira" te ensinam lições para a vida inteira: coisas que você deve construir para ter uma formação emocional sólida. Sua tarefa é aceitar a lição, amar a pessoa, e colocar o que você aprendeu em uso em todos os outros relacionamentos e áreas de sua vida. É dito que o amor é cego, mas a amizade é clarividente. Obrigado por ser parte da minha vida.Pare aqui e simplesmente SORRIA.


"Trabalhe como se você não precisasse do dinheiro,
Ame como se você nunca tivesse sido magoado,
e dance comose ninguém estivesse te observando."

"O maior risco da vida é não fazer NADA."

Livro: Quem me roubou de mim? Pe Fábio de Melo

"...Dos relacionamentos que você já teve, quais foram as ocasiões em que verdadeiramente você foi modificado para melhor?
Será que você é lembrança doída na vida de alguém? Será que já construiu cativeiros? Ou será que já viveu em algum?
Será que já idealizou demais as situações, as pessoas e por isso perdeu a oportunidade de encontrar as situações e as pessoas certas?
Sejam quais forem as respostas, não tenha medo delas. Perguntar-se é uma maneira de se descobrir como pessoa, pois as perguntas são pontes que nos favorecem travessias."
Estou lendo o livro: Quem me roubou de mim? do Pe Fábio de Melo, indicado pela minha amiga Elizangela. Logo me deparei com essas perguntas, na primeira vista já derramei lágrimas, pois quem me conhece sabe o que vivi num relacionamento de 5 anos, teve momentos de aprendizado, bons, mas inúmeros, em que me sentia uma boneca de vitrine, alguém sem vida própria...
Nas entrelinhas que vou apresentar agora, são de minha autoria, e conta só um pouquinho do que senti e o que sinto agora...
Ninguém tem noção do que senti a primeira vez que vi um luar, o cheiro noturno, as luzes da cidade, acompanhada de pessoas boas, com risos e simplicidade...
Tudo se modificou - RODA GIGANTE, RODA MOINHO, A VIDA SE ESTANCOU, novos olhares, velhos valores, amizades novas, encontros com velhos amigos, conhecimento e a expectativa de um novo amanhecer a cada dia.
E nessa trajetória, muitas alegrias, parece que saí da vitrine, para um mundo mágico...Há ilusões, mas, nada que não posso recusar. Hoje eu sei o que é bom pra mim, aliás, o que quero para mim, existe uma vontade imensa de viver, conhecer novos lugares, novas pessoas, novos gostos, novos valores, uma nova vida, que se traduz em SER FELIZ E FAZER OS OUTROS A MINHA VOLTA FELIZES TAMBÉM. É claro, jamais perder a minha identidade, os meus conhecimentos, minhas experiências, minha sinceridade, minha fé...Tenho que conciliar o velho com o novo.
O engraçado é que me sinto uma adolescente de 15 anos, cheia de desejos, de vontades ocultas, cheia de energia, vontade de amar e mergulhar de cabeça, vontade de viver intensamente cada minuto de minha vida como se fosse o último!
E nesse percurso, surge muitos amigos, pessoas de ideias diferentes, outra até parecidas...Pessoas que me identifico, outras, que quero manter distância...Uma coisa é certa NADA É COMO ANTES ...Até eu às vezes estou a me procurar, pelos meus modos, meus comportamentos, meus atos, minha nova maneira de ver o mundo...
Escondi minha identidade, minha personalidade...Para ser um sonho bem feito de segundos!
Hoje o que quero é ser feliz!
Amar e ser amada, respeitar para ser respeitada...
Acreditar num novo amanhecer, sempre!
Aprender diariamente...
A vida não para...
E minha liberdade não tem preço!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Em busca das respostas, prefiro ficar sozinha!


Depois de um Final de Semana prolongado, percebi que estava mesmo precisando ficar sozinha, me sinto um pouco melhor no meio das minhas coisas: das minhas leituras, das minhas orações, das minhas bagunças, das minhas caminhadas, assistir um bom filme, ouvir música, admirar as fotos que tenho de pessoas especiais - que fez e faz parte da minha vida, aproveitar a família, jogar conversas fora, fazer uma viagem no mundo das ideias.

Pois, nesses instantes a todo momento faço uma avaliação da minha vida, questionando e refletindo sobre os meus próprios atos, sobre o que é bom pra mim, se devo continuar ou interromper certos "fatos" que estão me desgastando, porque muitas vezes vamos perdendo o controle da situação e quando vemos está mais complicado do que imaginamos.

Nesses momentos que eu me encontro e vejo se estou no caminho certo ou errado, muitas vezes tenho vontade de jogar tudo pro ar e sumir do mapa em momentos tensos, outras, me tranquilizo, acreditando que tudo está bem.

Por isso, que muitas vezes prefiro ficar sozinha com meus pensamentos, com meus porques, com minhas inquietações...Dentro de minutos, vou acertando as coisas e me animando novamente, e nesse ritmo, vou adquirindo paz comigo mesma, boas energias, equílibrio e fortaleza para viver.
E pronta para mais uma batalha...Sempre nos deparamos com pessoas que vem e puxam nosso tapete sem dó, mas, isso cabe a nós LEVANTARMOS AINDA MAIS FORTE!


E cada vez tenho mais certeza que devo VIVER INTENSAMENTE ATÉ MORRER...





segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Só sei que mudo de ideias constantemente...


Sinto falta de ter tempo para ler, e prestar atenção em um filme. Sinto falta de escrever aqui, mas principalmente, sinto falta de não ter pensamentos lineares. Estou escrevendo no diário, mas paro para fazer desenhos de quem não sabe desenhar, uma casa de palitos, uma declaração de amor obscena, um sonho cor de rosa em um mundo inexistente. Não tenho orgulho de ser uma catástrofe, mas tenho coragem de reconhecê-la. Tenho coragem de me mostrar, mesmo não sendo lá grandes coisas, tenho vergonha de não cumprir minhas promessas, mas tenho mais ainda de não entender os mecanismos da minha cabeça. Tenho medo de não ser um sucesso... pra logo depois me perguntar, um sucesso pra quem? Minha avó disse "essa minha neta, é um sucesso" deveria ser o suficiente, mas nunca é. Algumas pessoas me acham louca, outras tem certeza. Eu continuo assim, dúbia, confusa, cheia de certezas e lotada de dúvidas, e desde que aprendi, sempre utilizo a célebre frase da Radical Chic: "Penso, logo... mudo de idéia".


Cristal, adaptado.

Ser feliz, é uma questão de escolhas...







Estar bem e feliz é uma questão de escolha e não de sorte ou mero acaso. É estar perto das pessoas que amamos, que nos fazem bem e que nos querem bem. É saber evitar tudo aquilo que nos incomoda ou faz mal, não hesitando em usar o bom senso, a maturidade obtida com experiências passadas ou mesmo nossa sensibilidade para isso. É distanciar-se de falsidade, inveja e mentiras. Evitar sentimentos corrosivos como o rancor, a raiva, e as mágoas que nos tiram noites de sono e em nada afetam as pessoas responsáveis por causá-los. É valorizar as palavras verdadeiras e os sentimentos sinceros que a nós são destinados. E saber ignorar, de forma mais fina e elegante possível, aqueles que dizem as coisas da boca para fora ou cujas palavras e caráter nunca valeram um milésimo do tempo que você perdeu ao escutá-las.


Nietzsche

Casório da Raquel e Flávio





Não tenho muita coisa a relatar...Pois, o amor dos dois são visíveis.
Casamento 04/09/2010

“A vida une as pessoas certas no momento certo. Que este seja nosso destino: amar, viver e começar cada dia juntos.”



Declarado um diário, quero que me conhecem, pelas palavras de Paula Fernandes outra blogueira


Ela é uma moça de poses delicadas, sorrisos discretos e olhar misterioso. Tem cara de menina mimada, um quê de esquisitice, uma sensibilidade de flor, um jeito encantado de ser, um toque de intuição e um tom de doçura. Reflete lilás, um brilho de estrela, uma inquietude, uma solidão de artista e um ar sensato de cientista. É uma apaixonada, na verdade. Ela é daquelas intensa, que tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo. Dentro dela mora um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Ela tem aquele cheiro doce de menina romântica e um gosto ácido de mulher moderna.

Como surgiu o Blog

Esse blog: Refletir e Transformar, surgiu na Pós graduação, com o Prof. Ezequiel nos sugerindo como avaliação - para nota...hehehehe. Então, no começo foi postado alguns artigos, pesquisas científicas, poemas, vida de autores consagrados, enfim, algumas matérias referentes a linguagem poética. (Deem uma olhada que são interessantes)

Não dispenso sugestões, críticas, ideias... 
Afinal, vocês fazem parte da minha vida, do meu crescimento como pessoa.

domingo, 29 de agosto de 2010

Uma palavra, Chico Buarque

Palavra prima
Uma palavra só, a crua palavra
Que quer dizer Tudo
Anterior ao entendimento, palavra
Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
MudaFeita de luz mais que de vento, palavra
Palavra dócil
Palavra d'agua pra qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra
Palavra minhaMatéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra
Talvez à noite
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra
Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar Fundo
O coração do pensamento, palavra...

Sintaxe à vontade, Teatro Mágico

Sem horas e sem dores
Respeitável público pagão
a partir de sempre
toda cura pertence a nós
toda resposta e dúvida
todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
todo verbo é livre para ser direto e indireto
nenhum predicado será prejudicado
nem tampouco a vírgula, nem a crase nem a frase e ponto final!
afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas
e estar entre vírgulas pode ser aposto
e eu aposto o oposto que vou cativar a todos
sendo apenas um sujeito simples
um sujeito e sua oração
sua pressa e sua verdade,sua fé
que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não
que enxerguemos o fato de termos acessórios
para nossa oração
separados ou adjuntos, nominais ou não
façamos parte do contexto da crônica
e de todas as capas de edição especial
sejamos também o anúncio da contra-capa
mas ser a capa e ser contra-capa
é a beleza da contradição
é negar a si mesmo
e negar a si mesmo
pode ser também encontrar-se com Deus
com o teu Deus
Sem horas e sem dores
Que nesse encontro que acontece agora
cada um possa se encontrar no outro
até porque...
tem horas que a gente se pergunta...por que é que não se junta
tudo numa coisa só?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Encontro Técnico de Alto Nível - Reúso da água



Dia 09 de agosto, participei do Encontro Técnico de Alto Nível – Reúso da água em São Paulo, no Teatro União Cultural, onde estavam presentes profissionais da área ambiental, o Mantenedor da Instituição UNIESP Dr. Fernando, dentre outras autoridades... Apresentaram grandes projetos e esclareceram dúvidas sobre o assunto em questão.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Depois de algum tempo...Willian Shakespeare


Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.
começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.
E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...
E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.Descobre que se levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve. Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama, contudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.
Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.Portanto... plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!"

Eu te amo, Chico Buarque

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.

GEL, Grupo de Estudos Línguisticos


Foi realizado nos dias 21, 22 e 23 de julho o Grupo de Estudos Línguisticos na cidade de São Carlos, na UFScar (Universidade Federal de São Carlos) reunindo todo o pessoal da área de Linguagens.

Foi muito bom o Congresso, pois, ali estavam presentes pessoas de tudo quanto é lugar, com focos diferentes e um só objetivo, o de APRENDER a decodificar o mundo através da Língua, da palavra viva!

domingo, 16 de maio de 2010

Conhecendo Álvares Azevedo 1831-1852

Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831 – 1852) foi o mais típico representante da “escola byroniana”, do ultra-romantismo, da poesia egótica. Sua obra é uma permanente antinomia: ingenuidade e satanismo, egocentrismo e auto-ironia, idealismo e realismo, desespero e humor, a pálida virgem e a prostituta sifilítica, amor e medo, Ariel e Calibã.



ÁLVARES DE AZEVEDO (São Paulo, SP, 1831 – Rio de Janeiro, RJ, 1852)

Nasce em São Paulo a 12 de setembro de 1831. Aos dois anos, vai para o Rio de Janeiro, onde faz os primeiros estudos. Em 1848, retoma a São Paulo e matricula-se no curso de Direito. Trava conhecimento com Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa e outros, que constituem a “Sociedade Epicuréia”, destinada a repetir a existência boêmia do poeta inglês Byron. Acometido de tuberculose, falece em abril de 1852, aos 21 anos de idade, sem concluir o curso e inédito em livro.

Poeta adolescente e contraditório foi aluno brilhante e leitor precoce. Ligou-se aos grupos boêmios e políticos da Faculdade, interagindo a sociedade “Epicuréia” e “A Bucha”. Nele se misturam ternura e perversidade, desejo de afirmação e submissão, rebeldia dos sentidos, que o leva, por um lado, à extrema idealização, e, por outro lado, à lubricidade. Sofre o fascínio do conhecimento e a obsessão de algo maior, a própria existência que se traduz num cansaço precoce de viver, num desejo anormal em busca do fim (mal do século), como apresenta em seu famoso poema”Lembrança de Morrer”. Lança-se à nostalgia, ao vício, revolta que aparece em “Spleen e Charutos”. Influenciado por Byron e Musset. Incursiona também no campo da ficção e, com tom sarcástico e cômico-satânico, escreve Noite na Taverna e Macário. A noite ocupa um lugar principal, tanto na ficção como na poesia. É freqüente associar noite com vento, lua, mar, donzelas adormecidas em praias tenebrosas, sendo que o sentimento noturno coincide com uma visão lutuosa. Sua poesia, não raro, apresenta um tom sarcástico e irônico. É afeito à galhofa e a brincadeira, traços mais originais em sua obra. Também introduz elementos do cotidiano, como cama, quarto, charutos, “cognac”, etc.

Idéias íntimas, Álvares de Azevedo


FragmentoLa chaise où je m’assieds, la natte où je me couche,La table ou je t’écris ....................................................................................................................................Mes gros souliers ferrés, mon baton, mon chapeau,Mês libres pêle-mêle entassés sur leur planche....................................................................................De cet espace étroit sont tout l’ameublement.LAMARTINE, Jocelyn

I
Ossian — o bardo é triste como a sombra Que seus cantos povoa. O Lamartine É monótono e belo como a noite, Como a lua no mar e o som das ondas...Mas pranteia uma eterna monodia,Tem na lira do gênio uma só corda, — Fibra de amor e Deus que um sopro agita!Se desmaia de amor... a Deus se volta,Se pranteia por Deus... de amor suspira.Basta de Shakespeare. Vem tu agora,Fantástico alemão, poeta ardenteQue ilumina o clarão das gotas pálidasDo nobre Johannisberg! Nos teus romancesMeu coração deleita-se... Contudo,Parece-me que vou perdendo o gosto,Vou ficando blasé: passeio os diasPelo meu corredor, sem companheiro,Sem ler, nem poetar... Vivo fumando.Minha casa não tem menores névoasQue as deste céu d’inverno... SolitárioPasso as noites aqui e os dias longos...Dei-me agora ao charuto em corpo e alma:Debalde ali de um canto um beijo implora,Como a beleza que o Sultão despreza,Meu cachimbo alemão abandonado!Não passeio a cavalo e não namoro,Odeio o lasquenet... Palavra d’honra!Se assim me continuam por dois mesesOs diabos azuis nos frouxos membros,Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso.

II

Enchi o meu salão de mil figuras.Aqui voa um cavalo no galope,Um roxo dominó as costas voltaA um cavaleiro de alemães bigodes,Um preto beberrão sobre uma pipa,Aos grossos beiços a garrafa aperta...Ao longo das paredes se derramamExtintas inscrições de versos mortos,E mortos ao nascer!... Ali na alcovaEm águas negras se levanta a ilhaRomântica, sombria, à flor das ondasDe um rio que se perde na floresta...— Um sonho de mancebo e de poeta,El-Dorado de amor que a mente cria,Como um Éden de noites deleitosas...Era ali que eu podia no silêncioJunto de um anjo... Além o romantismo!Borra adiante folgaz caricaturaCom tinta de escrever e pó vermelhoA gorda face, o volumoso abdômen,E a grossa penca do nariz purpúreoDo alegre vendilhão entre botelhas,Metido num tonel... Na minha cômodaMeio encetado o copo, inda verberaAs águas d’oiro do Cognac ardente:Negreja ao pé narcótica botelhaQue da essência de flores de laranjaGuarda o licor que nectariza os nervos.Ali mistura-se o charuto havanoAo mesquinho cigarro e ao meu cachimbo...A mesa escura cambaleia ao pesoDo titâneo Digesto, e ao lado deleChilde-Harold entreaberto... ou LamartineMostra que o romantismo se descuidaE que a poesia sobrenada sempreAo pesadelo clássico do estudo.

III
Reina a desordem pela sala antiga, Desce a teia de aranha as bambinelasÀ estante pulvurenta. A roupa, os livros Sobre as poucas cadeiras se confundem.Marca a folha do Faust um colarinhoE Alfredo de Musset encobre, às vezesDe Guerreiro, ou Valasco, um texto obscuro.Como outrora do mundo os elementos Pela treva jogando cambalhotas,Meu quarto, mundo em caos, espera um Fiat!

IV
Na minha sala três retratos pendem:Ali Victor Hugo. — Na larga fronteErguidos luzem os cabelos louros,Como c’roa soberba. Homem sublime!O poeta de Deus e amores puros!Que sonhou Triboulet, Marion DelormeE Esmeralda — a Cigana... E diz a crônicaQue foi aos tribunais parar um diaPor amar as mulheres dos amigosE adúlteros fazer romances vivos.
V
Aquele é Lamennais — o bardo santo,Cabeça de profeta, ungido crente,Alma de fogo na mundana argilaQue as harpas de Sion vibrou na sombra,Pela noite do século chamandoA Deus e à liberdade as loucas turbas.Por ele a George Sand morreu de amores,E dizem que... Defronte, aquele moçoPálido, pensativo, a fronte erguida,Olhar de Bonaparte em face austríaca,Foi do homem secular as esperanças:No berço imperial um céu de agostoNos cantos de triunfo despertou-o...As águias de Wagram e de MarengoAbriam flamejando as longas asasImpregnadas do fumo dos combatesNa púrpura dos Césares, guardando-o...E o gênio do futuro pareciaPredestiná-lo à glória. A história dele?...Resta um crânio nas urnas do estrangeiro...Um loureiro sem flores nem sementes...E um passado de lágrimas... A terraTremeu ao sepultar-se o Rei de RomaPode o mundo chorar sua agoniaE os louros de seu pai na fronte deleInfecundos depor... Estrela morta,Só pode o menestrel sagrar-te prantos!

VI
Junto a meu leito, com as mãos unidas,Olhos fitos no céu, cabelos soltos,Pálida sombra de mulher formosaEntre nuvens azuis pranteia orando.É um retrato talvez. Naquele seioPorventura sonhei douradas noites,Talvez sonhando desatei sorrindoAlguma vez nos ombros perfumadosEsses cabelos negros e em delíquioNos lábios dela suspirei tremendo,Foi-se a minha visão... E resta agoraAquele vaga sombra na parede— Fantasma de carvão e pó cerúleo! —Tão vaga, tão extinta e fumacentaComo de um sonho o recordar incerto.

VII
Em frente do meu leito, em negro quadro,A minha amante dorme. É uma estampaDe bela adormecida. A rósea faceParece em visos de um amor lascivoDe fogos vagabundos acender-se...E como a nívea mão recata o seio...Oh! quanta s vezes, ideal mimoso,Não encheste minh’alma de ventura,Quando louco, sedento e arquejanteMeus tristes lábios imprimi ardentesNo poento vidro que te guarda o sono!

VIII
O pobre leito meu, desfeito ainda,A febre aponta da noturna insônia.Aqui lânguido à noite debati-meEm vãos delírios anelando um beijo...E a donzela ideal nos róseos lábios,No doce berço do moreno seioMinha vida embalou estremecendo...Foram sonhos contudo! A minha vidaSe esgota em ilusões. E quando a fadaQue diviniza meu pensar ardenteUm instante em seus braços me descansaE roça a medo em meus ardentes lábiosUm beijo que de amor me turva os olhos...Me ateia o sangue, me enlanguece a fronte...Um espírito negro me desperta,O encanto do meu sonho se evapora...E das nuvens de nácar da venturaRolo tremendo à solidão da vida!IX
Oh! ter vinte anos sem gozar de leveA ventura de uma alma de donzela!E sem na vida ter sentido nuncaNa suave atração de um róseo corpoMeus olhos turvos se fechar de gozo!Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhasPassam tantas visões sobre meu peito!Palor de febre meu semblante cobre,Bate meu coração com tanto fogo!Um doce nome os lábios meus suspiram,Um nome de mulher... e vejo lânguidaNo véu suave de amorosas sombrasSeminua, abatida, a mão no seio,Perfumada visão romper a nuvem,Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebrasO alento fresco e leve como a vidaPassar delicioso... Que delírios!Acordo palpitante... inda a procuro:Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimasBanham meus olhos, e suspiro e gemo...Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!Só o leito deserto, a sala muda!Amorosa visão, mulher dos sonhos,Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!Nunca virás iluminar meu peitoCom um raio de luz desses teus olhos?

X
Meu pobre leito! eu amo-te contudo!Aqui levei sonhando noites belas;As longas horas olvidei libandoArdentes gotas de licor dourado,Esqueci-as no fumo, na leituraDas páginas lascivas do romance...Meu leito juvenil, da minha vidaÉs a página d’oiro. Em teu asiloEu sonho-me poeta e sou ditoso...E a mente errante devaneia em mundosQue esmalta a fantasia! Oh! quantas vezesDo levante no sol entre odaliscasMomentos não passei que valem vidas!Quanta música ouvi que me encantava!Quantas virgens amei! que Margaridas,Que Elviras saudosas e Clarissas,Mais trêmulo que Faust, eu não beijava...Mais feliz que Don Juan e LovelaceNão apertei ao peito desmaiando!Ó meus sonhos de amor e mocidade,Porque ser tão formosos, se devíeisMe abandonar tão cedo... e eu acordavaArquejando a beijar meu travesseiro?

XI
Junto do leito meus poetas dormem— O Dante, a Bíblia, Shakespeare e ByronNa mesa confundidos. Junto delesMeu velho candeeiro se espreguiçaE parece pedir a formatura.Ó meu amigo, ó velador noturno,Tu não me abandonaste nas vigílias,Quer eu perdesse a noite sobre os livros,Quer, sentado no leito, pensativoRelesse as minhas cartas de namoro...Quero-te muito bem, ó meu comparsaNas doudas cenas de meu drama obscuro!E num dia de spleen, vindo a pachorra,Hei de evocar-te dum poema heróicoNa rima de Camões e de Ariosto,Como padrão às lâmpadas futuras!

XII
Aqui sobre esta mesa junto ao leitoEm caixa negra dois retratos guardo:Não os profanem indiscretas vistas.Eu beijo-os cada noite: neste exílioVenero-os juntos e os prefiro unidos...— Meu pai e minha mãe! Se acaso um dia,Na minha solidão me acharem morto,Não os abra ninguém. Sobre meu peitoLancem-os em meu túmulo. Mais doceSerá certo o dormir da noite negraTendo no peito essas imagens puras.

XIII
Havia uma outra imagem que eu sonhavaNo meu peito, na vida e no sepulcro,Mas ela não o quis... rompeu a tela,Onde eu pintara meus dourados sonhos.Se posso no viver sonhar com ela,Essa trança beijar de seus cabelosE essas violetas inodoras, murchas,Nos lábios frios comprimir chorando,Não poderei na sepultura, ao menos,Sua imagem divina ter no peito.XIV
Parece que chorei... Sinto na faceUma perdida lágrima rolando...Satã leve a tristeza! Olá, meu pagem,Derrama no meu copo as gotas últimasDessa garrafa negra...Eia! bebamos!És o sangue do gênio, o puro néctarQue as almas de poeta diviniza,O condão que abre o mundo das magias!Vem, fogoso Cognac! É só contigoQue sinto-me viver. Inda palpito,Quando os eflúvios dessas gotas áureasFiltram no sangue meu correndo a vida,Vibram-me os nervos e as artérias queimam,Os meus olhos ardentes se escurecemE no cérebro passam delirososAssomos de poesia... Dentre a sombraVejo num leito d’ouro a imagem delaPalpitante, que dorme e que suspira,Que seus braços me estende...Eu me esquecia: Faz-se noite; traz fogo e dois charutosE na mesa do estudo acende a lâmpada...

A dimensão sociocultural da literatura



De um ponto de vista histórico, a literatura pode ser entendida como instrumento de intervenção social. Deslocando-nos assim para o centro de uma questão que é tão remota quanto as mais antigas reflexões acerca da condição social da literatura, Platão, no quadro da busca da verdade, concebia a atividade poética como algo que só se legitimava em função do serviço que o poeta pudesse prestar à comunidade.

Em épocas posteriores, a defesa de uma criação literária vinculada à sociedade, assume dimensões mais truncadas, do ponto de vista ideológico: durante o Realismo, colocando-se numa posição antiidealista, o escritor faz da literatura um instrumento de análise de tipos e situações carenciados de reforma; sob o signo do Positivismo e do Determinismo, o Naturalismo acentua essa análise, com propósitos explicativos de inspiração científica, propósitos que em última instância apontavam no sentido da modificação qualitativa da natureza através da literatura; e em épocas mais próximas de nós – particularmente entre os anos 30 e os anos 50 do século XX, a estética e a cultura marxistas associam as práticas literárias a intuitos de revolução social e econômica, fazendo então, da literatura um instrumento de compromisso social do escritor.

Exemplo dessa postura, no Brasil, temos o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que representa a miséria social e humana de uma família nordestina que foge à seca; assim sendo, as pungentes situações descritas e as personagens degradadas que as vivem, são facilmente entendidas como denúncia, através da literatura e de forma ideologicamente ativa, de condições de vida deprimentes.

Um dos testemunhos mais veementes em favor de uma criação literária comprometida com a sociedade encontra-se no famoso texto de Jean-Paul Sartre, “Qu’est-ce que la littérature?” Escrito e publicado numa época de vivo debate ideológico e de acentuada presença cultural marxista (a época do pós-guerra, da vigência do stalinismo e do advento da IV república francesa), o livro de Sartre defende teses e propõe comportamentos que fortemente motivaram práticas literárias empenhadas: trata-se, de um modo geral, de entender o escritos como intelectual militante, detentor de uma palavra – que é a palavra literária, por assim dizer transparente, no sentido em que torna-se capaz de traduzir e fielmente representar situações sociais que importa denunciar; por isso, Sartre afirma que “a função do escritor é proceder de modo que ninguém possa ignorar o mundo nem alhear-se dele”.

Afirmações desse tipo implica conseqüências importantes pelo menos em dois níveis: do ponto de vista ideológico, o escritor poderá assumir-se como culturalmente responsável, abarcando nessa responsabilidade o dever de intervir na sociedade em que está inserido e procurando envolver o leitor nessa intervenção; levando-se esta orientação ao extremo, poderia chegar-se ao limite de apenas se reconhecer legitimidade a uma literatura socialmente ativa, assim se tendendo a constituir um campo literário balizado por marcas estritamente socioculturais.

A doutrina sartreana de um ponto de vista funcional (que tem que ver com opções de linguagem e mais propriamente de modos e gêneros literários), o escritor comprometido adotará um discurso em prosa, como o mais adequado a uma ação que se exerce pelo “desvelamento”. Por isso, a concepção sartreana do compromisso literário estimula uma prática literária do tipo realista, num sentido genérico, que é aquela que se entende ser possível fazer da literatura um eficaz instrumento de representação do real.
Neste diapasão, qualquer idéia sobre a dimensão sociocultural da literatura deverá atentar em diversos aspectos da situação do escritor, no que toca à responsabilidade cultural que lhe cabe, aos direitos de que se reclama e aos deveres que lhe podem ser imputados, bem como a um conjunto de mecanismos (de ordem econômica, ideológica, psicológica, etc) que o configuram como entidade socialmente relevante.

Porém, no plano concreto, histórico e social da sua existência que o escritor chega a desfrutar de um certo ascendente, na comunidade em que se que encontra. Esse ascendente é tanto maior quanto mais influentes são os diversos mecanismos de promoção do escritor, o que lhe permite muitas vezes intervir em esferas da vida pública.

Convém notar, no entanto, que esse seja um fenômeno relativamente recente; ele não deve levar-nos a esquecer que, com freqüência, o escritor enfrentou e enfrenta obstáculos por vezes consideráveis, em boa parte capazes de cercear a sua capacidade expressiva, limitada por censuras de ordem moral e ideológica. Grandes escritores, em todas as épocas, insurgiram-se contra essas restrições: “Impedir adultos de pensar de uma forma madura acerca da verdade, prejudica incomparavelmente mais a sociedade do que eventualmente permitir a uma criança que pense acerca disso precocemente”, escreveu Aldous Huxley e John Steinbeck: “Um ditador pode matar e mutilar pessoas pode mergulhar em qualquer espécie de tirania e ser apenas odiado, mas quando se queimam livros, acontece uma extrema tirania”.

A Crítica literária na formação do professor hermenêutico-reflexivo


Parafraseando Barthes (1970), “é escritor aquele que quer ser”. Um professor ao desejar sê-lo, de letras, deve transformar o seu projeto em vocação, o trabalho da linguagem em dom de escrever, e a técnica em arte: assim nasceu o mito do “bem-escrever”: o professor de letras passa a ser um sacerdote assalariado, guardião meio respeitável do santuário da palavra.

O professor, como escrevente, diria ainda Barthes, uma pessoa “transitiva” coloca um fim (testemunhar, explicar, ensinar) para o qual a palavra é apenas um meio.

A diferenciação entre escritor e escrevente: aquele tem algo de sacerdote, o escrevente de clérigo; a palavra de um ato intransitivo (portanto, de certo modo, um gesto), a palavra do outro uma atividade.

Um dos aspectos mais importantes para a formação do professor hermenêutico – reflexivo seria saber distinguir as diferenças entre teoria, crítica e história literária. Há, primeiro, a distinção entre a literatura vista como ordem simultânea e a literatura vista primordialmente como uma série de obras dispostas em ordem cronológica e como partes integrais do processo histórico. Há, então a distinção adicional entre o estudo dos princípios e critérios da literatura e o estudo das obras de arte literária concretas, quer as estudemos isoladamente ou em uma série cronológica. Ela parece ressaltar mais essas distinções ao descrever-se “teoria literária” o estudo dos princípios da literatura, das suas categorias, critérios, etc, e diferenciar os estudo de obras de arte concretas na “crítica literária” (de abordagem principalmente estática) ou “história literária”. Naturalmente, o termo “crítica literária” muitas vezes tem sido usado de maneira a incluir toda teoria literária. O termo “teoria da literatura” poderia incluir também as necessárias “teoria da crítica literária” e “teoria da história literária”.

O professor deve ter em mente que essas distinções são razoavelmente óbvias e têm aceitação bem ampla. Menos comum, porém, seria a percepção de que os métodos assim designados não podem ser usados isoladamente, eles estão de tal maneira entrelaçados tornando-se inconcebíveis a teoria literária sem a crítica ou a história, a crítica sem a teoria e a história, ou a história sem a teoria e a crítica. Obviamente, a teoria literária seria impossível, exceto com base em um estudo de obras literárias concretas. Não se pode chegar a critérios, categorias e esquemas no vácuo. Inversamente, porém, nenhuma crítica ou história é possível sem algum conjunto de questões, algum sistema de conceitos, alguns pontos de referência, algumas generalizações. Naturalmente, não se trata aqui de nenhum dilema insuperável: toda vez que se lê tem-se algumas idéias preconcebidas e sempre possibilitando mudar e modificar essas percepções depois de mais experiência com obras literárias. O processo é dialético: uma interpenetração mútua de teoria e prática. Houve tentativas de isolar a história literária da teoria e da crítica. Essa distinção é inteiramente insustentável como afirma a autora Perrone-Moisés:

Simplesmente não há dados na história literária que sejam “fatos” completamente naturais. Há julgamentos de valor implícitos na própria escolha de materiais: na distinção preliminar entre livros e literatura, na mera alocação de espaço a este ou àquele autor. Mesmo a verificação de uma data ou título pressupõe algum tipo de julgamento, em que seleciona este livro ou acontecimento específico dentre os milhões de outros livros e acontecimentos.
Geralmente, porém, a argumentação a favor de isolar a história literária da crítica literária assenta-se em fundamentos diferentes. Não se nega que sejam necessários atos de julgamentos, mas argumenta-se que a história literária tem os seus próprios padrões e critérios peculiares, isto é, os de outras épocas. Devemos, argumentam esses reconstrucionistas literários, entrar no espírito e nas posturas dos períodos passados e aceitar os seus padrões, excluindo deliberadamente a intrusão dos nossos preconceitos.

No estudo da literatura, essa tentativa de reconstrução histórica levou à grande ênfase na intenção do autor, supondo-se, poder ser estudada na história da crítica e do gosto literário. Reflete-se, geralmente, a possibilidade de poder verificar essa intenção e se poder perceber-se o autor a cumpriu e também se pode desembaraçar do problema da crítica. Ao autor serviu um propósito contemporâneo e não há nenhuma necessidade ou mesmo possibilidade de crítica adicional ao seu trabalho. Há, então, duas centenas de concepções independentes, diversas e mutuamente exclusivas de literatura, cada uma delas “correta” de alguma forma. O ideal da poesia está partido em muitos pedaços e nada resta dele: o resultado deve ser uma anarquia geral ou, antes, um nivelamento de todos os valores. A história da literatura está reduzida a uma série de fragmentos distintos e, portanto, finalmente, incompreensíveis.
Toda a idéia de que a “intenção” do autor seja o tema adequado da história literária parece, contudo, bastante errada. O significado de uma obra de arte jamais se esgota na sua intenção nem equivale a ela. Como sistema de valores, conduz a uma vida independente. O significado total de uma obra de arte não pode ser definido meramente em função do seu significado para o seu autor e os seus contemporâneos.

O professor hermenêutico-reflexivo deve tratar a obra de arte como um processo de adição; a história da crítica pelos seus muitos leitores em muitas épocas. Simplesmente não é possível deixarmos de ser críticos em pleno século XXI enquanto nos ocupamos de um julgamento do passado: de jeito nenhum podemos esquecer as associações da nossa linguagem, das nossas posturas adquiridas, do impacto e da importância dos últimos séculos.

Sendo “professor narrativa”, estudioso da história literária e crítico de um novo tempo, não se contentará com julgar uma obra de arte meramente do ponto de vista do seu próprio tempo – um privilégio do crítico praticante, que reavaliará o passado em função das necessidades de um estilo ou movimento presente.

A única objeção possível contra o estudo de autores vivos seria o argumento de que o estudante perde a perspectiva da obra completa, da explicação que trabalhos posteriores podem dar às implicações do primeiro. Mas essa desvantagem, válida apenas para autores em desenvolvimento, parece pequena quando comparada com as vantagens de conhecer o ambiente e o tempo e com as oportunidades de conhecimento e indagação pessoal ou, pelo menos, de correspondência. Se vale a pena estudar muitos autores de segunda ou mesmo de décima categoria do passado, também vale estudar um autor de primeira ou mesmo de segunda categoria do nosso tempo. Geralmente por falta de percepção ou por timidez que os acadêmicos relutam em julgar por si mesmos. Preferem esperar o “julgamento das eras”, não percebendo que esse nada mais é, que o veredicto de outros críticos e leitores, inclusive outros professores. Toda a suposta imunidade do historiador literário à crítica e à teoria se tornaria inteiramente falsa e por uma razão simples: toda obra de arte existe agora, diretamente acessível à observação e traz solução de certos problemas artísticos, quer tenha sido composta ontem, quer tenha sido composta há mil anos. Ela não pode ser analisada, caracterizada ou avaliada sem o recurso constante a princípios críticos. Segundo Norman Ferster (1929), “O historiador literário deve ser um crítico até mesmo para ser um historiador”.
O professor, “homem-narrativa”, deve entender que a história literária também altamente importante para a crítica literária, tão logo esta ultrapassa o pronunciamento mais subjetivo do “gosto” e “não gosto”. Um crítico que se contentasse em ignorar todas as relações históricas iria se perder constantemente nos seus julgamentos. Não poderia saber pela sua ignorância das condições históricas e erraria constantemente na compreensão de obras de arte específicas.

De acordo com Barthes (1970), por um movimento complementar, o crítico se torna por sua vez escritor. E querer ser escritor não é uma pretensão de estatuto, mas uma intenção de ser. Não importa achar mais glorioso ser romancista, poeta, ensaísta ou cronista? O escritor não pode ser definido em termos de papel ou de valor, mas somente por uma certa consciência da palavra.

É escritor aquele para quem a linguagem constitui problema, que experimenta sua profundidade, não sua instrumentabilidade ou sua beleza. Nasceram então livros críticos, oferecendo-se à leitura segundo as mesmas vias que a obra propriamente literária, se bem que seus autores não sejam, por estatuto, mais do que críticos e não escritores. Se a crítica nova tem alguma realidade, ela consiste nisto: não na unidade de seus métodos, ainda menos no esnobismo que, segundo se diz comodamente, a sustenta, mas na solidão do ato crítico, doravante afirmado, longe dos álibis da ciência ou das instituições, como um ato de plena escritura. Outrora separados pelo mito gasto do “soberbo criador e do humilde servidor, ambos necessários, cada um no seu lugar etc”, o escritor e o crítico se reúnem na mesma condição difícil, em face do mesmo objeto: a linguagem (...).
Recentemente, e muitas vezes, censurou-se a nova crítica dizendo que ela contraria a tarefa do educador, que é essencialmente, ao que parece, ensinar a ler. A velha retórica tinha por ambição ensinar a escrever: ela dava regras de criação (de imitação), não de recepção. Podemos, com efeito, perguntar-nos se não é diminuir a leitura, isolar assim suas regras. Bem ler é virtualmente bem escrever, isto é, escrever segundo o símbolo. (BARTHES, 1970, pp.213,214).

Henry James expressou as seguintes exclamações em seu artigo “A Arte da Ficção” de 1884: “Que é uma personagem senão um determinante da ação? Que é a ação senão a ilustração da personagem? Que é um quadro ou um romance que não seja uma descrição de caracteres? Que outra coisa neles procuramos, neles encontramos?”

Segundo Todorov, duas idéias vêm à luz através delas. A primeira concerne à ligação indefectível dos diferentes constituintes da narrativa: as personagens e a ação. Não há personagens fora da ação, nem ação independentemente de personagens. Mas, sub-repticiamente, uma segunda idéia aparece nas últimas linhas: se as duas estão indissoluvelmente ligadas, uma, entretanto mais importante que a outra: as personagens. Isto diz respeito aos caracteres, à psicologia. Toda narrativa torna-se “uma descrição de caracteres”

Raro observar-se um caso tão puro de egocentrismo que se toma por universalismo, diz Todorov. Se o ideal teórico de James era uma narrativa onde tudo está submetido à psicologia das personagens, difícil ignorar a existência de toda uma tendência da literatura na qual as ações não existem para servir de “ilustração” à personagem, mas onde, pelo contrário, as personagens estão submetidas à ação; e onde, por outro lado, a palavra “personagem” significa coisa bem diversa de uma coerência psicológica ou de uma descrição de caráter. Essa tendência da qual a “Odisséia” e o “Decameron”, “As Mil e Uma Noites” e o “Manuscrito Encontrado em Saragossa” são algumas das manifestações mais célebres, pode ser considerada como um caso-limite de a-psicologismo literário.

Ao se falar de livros como As Mil e Uma Noite, afirma Todorov, devemos dizer que a análise interna dos caracteres aí está ausente, que não há descrição dos estados psicológicos. Para melhor caracterizar esse fenômeno de a-psicologismo, seria preciso partir de uma certa imagem do andamento da narrativa, quando esta obedece a uma estrutura causal. Poder-se-ia então, representar qualquer momento da narrativa sob a forma de uma oração simples, que entra em relação de consecução (notada por um +) ou de conseqüência (notada por um =) com as orações precedentes e seguintes.

Para Todorov, a primeira oposição entre a narrativa preconizada por James e a das Mil e Uma Noites pode ser assim ilustrada: se existe uma oração “X vê Y”, o importante para James, é X, para Sherazade, Y. A narrativa psicológica considera cada ação como uma via que abre acesso à personalidade daquele que age, como uma expressão ou senão como um sintoma. A ação tampouco se considera por si mesma, ela é transitiva com relação a seu sujeito. A narrativa a-psicologia, pelo contrário, caracteriza-se por suas ações intransitivas: a ação importa por ela mesma e nunca como indício de tal traço de caráter. As Mil e uma Noites pertencem, pode-se dizer, a uma literatura predicativa: a ênfase recairá sempre sobre o predicado e não sobre o sujeito da oração. Em As mil e uma Noites, o exemplo mais conhecido desse obscurecimento do sujeito gramatical é a história Sendbad, o marujo. Até mesmo Ulisses sai de suas aventuras mais determinado do que ele: sabe-se que ele é esperto, prudente etc. Nada disso pode ser dito de Sindbad: sua narrativa, embora conduzida na primeira pessoa, é impessoal; dever-se-ia anotá-la como “X vê Y” mas como “Vê-se Y”. Somente a mais fria das narrativas de viagem pode rivalizar, em impessoalidade, com as histórias de Sindbad; mas não qualquer narrativa de viagem: pode-se pensar na “Viagem Sentimental”, de Sterne.

Voltamos a Roland Barthes (1970), em capítulo de Crítica e Verdade, “A Ciência da Literatura”:
Segundo este autor, possuímos uma história da literatura, mas não uma ciência da literatura, porque, sem dúvida, ainda não conseguimos reconhecer plenamente a natureza do “objeto literário”, que é um objeto escrito. A partir do momento, conforme afirma, em que se admitir que a obra foi feita como escritura (e daí tirar as conseqüências), uma certa ciência da literatura torna-se possível. Seu objeto (se ela existir um dia) não poderá ser o de impor à obra um sentido, em nome do qual ela se daria o direito de rejeitar os outros sentidos. Não poderá ser uma ciência dos conteúdos aos quais a mais estrita ciência histórica terá chance, mas uma ciência das condições do conteúdo, isto é, das formas: o que lhe interessará serão as variações de sentidos engendradas e, por assim dizer, engendráveis pelas obras: ela não interpretará os símbolos, mas somente sua polivalência; em uma só palavra, seu objetivo não será mais os sentidos plenos da obra, mas pelo contrário, o sentido vazio que os suporta a todos.

Seu modelo será evidentemente lingüístico. Colocado diante da impossibilidade de dominar todas as frases de uma língua, o lingüista aceita estabelecer um modelo hipotético de descrição, a partir do qual ele possa explicar como são construídas as frases infinitas de uma língua. Quaisquer que sejam as correções às quais sejamos levados, não há nenhuma razão para que não se tente aplicar tal método às obras da literatura: essas obras são elas mesmas semelhantes a imensas “frases” derivadas da língua geral dos símbolos, através de um certo número de transformações reguladas, ou, de um modo mais geral, através de uma certa lógica significante que é preciso descrever. Por outras palavras, a lingüística pode dar à literatura esse modelo gerador que é o princípio de toda ciência, já que se trata sempre de dispor de certas regras para explicar certos resultados. A ciência da literatura terá pois por objeto, não por que tal sentido deva ser aceito, nem mesmo por que o foi, mas por que ele é aceitável, de modo algum em função das regras filológicas da letra, mas em função das regras lingüísticas do símbolo. (BARTHES, 1970, p. 217)

No que concerne à faculdade de linguagem postulada por Humboldt e Chomsky, existe talvez no homem uma faculdade de literatura, uma energia da palavra, que nada tem a ver com o “gênio”, pois ela também não surge de inspiração ou de vontades pessoais, mas de regras acumuladas bem além do autor. Não são imagens, idéias ou versos que a voz mítica da Musa sopra ao escritor, é a grande lógica dos símbolos, as grandes formas vazias que permitem falar e operar.

Será necessário aceitar a redestruição dos objetos da ciência literária. O autor, a obra, são apenas os pontos de partida de uma análise cujo horizonte é uma linguagem: não pode existir uma ciência de Dante, de Shakespeare ou de Racine, mas somente uma ciência do discurso. Essa ciência terá dois grandes territórios, segundo os signos inferiores à frase, tais como as antigas figuras, os fenômenos de conotação, “as anomalias semânticas etc, em suma todos os traços da linguagem literária em seu conjunto; o segundo compreenderá os signos superiores à frase, as partes do discurso de onde se pode induzir uma estrutura da narrativa, da mensagem poética, do texto discursivo, etc”. (BARTHES, 1970, p. 219).

Segundo R. Picard (1970), o critério não pode dizer “qualquer coisa”; no entanto, o que controla suas palavras não é o medo moral de “delirar”. Se o crítico deve dizer alguma coisa (e não qualquer coisa), ele concede à palavra (à do autor e à sua) uma função significante e, por conseguinte a anamorfose na qual ele imprime a obra (e à qual ninguém no mundo tem o poder de se subtrair) sendo guiada pelos constrangimentos formais dos sentidos: a sanção do crítico não é o sentido da obra, e sim, o sentido daquilo que ele diz dela.

O primeiro constrangimento é considerar que na obra tudo é significante: uma gramática não é bem descrita se todas as frases não puderem ser explicadas por ela; um sistema de sentidos é insatisfatório se todas as falas não puderem aí se encaixar num lugar inteligível: que um só traço seja demais e a descrição não é boa. Essa regra de exaustividade, que os lingüistas conhecem bem, é de um alcance bem diverso do que a espécie de controle estatístico que, ao que parece, querem transformar numa obrigação do crítico. (PICARD, 1970, p. 222)

O Romantismo Brasileiro



“Muitas Lâmpadas, pouco brilho”...

“Na história espiritual das nações cultas – escrevia em 1876 Silvio Romero – cada fenômeno de hoje é um último elo de uma cadeia. Na história intelectual do Brasil, mercado de consumo da produção européia, a leitura de um escritor estrangeiro, a predileção por um livro de fora, vem decidir da natureza das opiniões entre nós. As idéias no Brasil não descendem uma das outras, não as liga um liame histórico. As idéias são consideradas como absolutas e os seus valores se colocam, todos, num mesmo plano. São folhas perdidas no torvelinho da nossa indiferença; a pouca ou nenhuma influência que hão exercido sobre o pensamento nacional explica essa anomalia”.

Cassiano Nunes, ensaísta literário, em estudo importante sobre o romance brasileiro, diria:

“Verdade, porém, é que à liberdade política não se seguiu a nossa liberdade de pensamento; intelectualmente, continuamos tão coloniais como dantes, e coloniais não só de Portugal, mas da França”. “O Romantismo no romance brasileiro sofreu de tal forma a influência estrangeiro que nunca chegou a marcar um período notável na história da nossa literatura. Falta neles a evidencia do homem e do meio que o circunscreve; são todos de uma bem pobre ficção e um lirismo sem jeito. Salvo num ou noutro autor em que a força da imaginação consegue dominar a ideologia sentimental (ideologia de Joaquim Manuel de Macedo), a ilusão da idéia pelo sentimento”. (NUNES, 1926)

Mas isso não aconteceu apenas na ficção, foi até mais acentuado na poesia, e em particular naqueles autores que uma repartição cronológica sem nenhum sentido de conteúdo agrupou na “primeira geração romântica”.

O manifesto romântico chegou-nos de Paris, que no-lo remeteu como um figurino ou frasco de perfume. Enviou-nos de lá esse produto de tantas conseqüências futuras um diplomata que se fincou em nossa literatura com um mau livro, mas com a etiqueta de predecessor. Esqueceu-se o livro, mas o nome do autor ficou. O grito de renovação, de morte do classicismo, o elogio aos desvarios sentimentais, foram dados, assim, em nosso país, por um senhor fidalgo austero e medíocre. Domingos Gonçalves de Magalhães – era esse o seu nome – escreveu muitas poesias religiosas que não levam ninguém à igreja. Manuel de Araújo Pôrto Alegre, seu amigo e continuador, não o sobrepujou poeticamente. Embora defendessem o romantismo, Gonçalves de Magalhães e Araújo Pôrto Alegre não passaram de clássicos fatigantes. (NUNES, 1926, s/p)

Cabe aqui a responsabilidade de inserir a visão de José Veríssimo, mais ameno em suas críticas:

Somente com os primeiros românticos, entre 1836 e 1846, a poesia brasileira, retomando a trilha logo apagada da plêiade mineira, entre já a cantar com inspiração feita dum consciente espírito nacional. Desde então somente é possível descobrir traços diferenciais nas letras brasileiras. (VERÍSSIMO, 1936)

O romantismo se configura em símbolo e forma de patriotismo.

Além de patriótica, ostensivamente patriótica, a primeira geração romântica e religiosa e moralizante. Estas feições fazem que seja triste, como, aliás, será a segunda. Somente a tristeza desta é a do ceticismo, do desalento, do fastio da vida, segundo Byron, Musset, Espronceda e quejandos mestres seus.a melancolia de Magalhães e seus parceiros é a tristeza de que penetrou a alma humana o sombrio catolicismo medieval. (VERÍSSIMO, 1936)

Conforme leciona Sodré (1969), era a tristeza dos exilados, o ceticismo dos que não acreditavam em seu país, a nostalgia de outras terras e de outros motivos – Veríssimo procura caracterizar o romantismo, aliás, como reação contra o passado, isto é, contra a dependência colonial:

Qualquer que hajam sido os seus motivos e característicos, sejam quais forem as definições que comporte, o romantismo foi sobretudo um movimento de liberdade espiritual, primeiro, se lhe remontarmos às ultimas origens, filosófica, literária e artística depois, e ainda social e política. Em arte e literatura, seu objetivo foi fazer algo diferente do passado e do existente, e até contra ambos. Excedeu o seu propósito, e em todos os ramos de atividade mental, até nas ciências, foi uma reação contra o espírito clássico, que, embora desnaturado, ainda dominava em todos. (VERÍSSIMO, 1936)

Visto o romantismo no quadro da realidade, entretanto, o que surge, à simples observação, como novo, esboçando de uma maneira clara, indiscutível, a participação do público. “Claro que do público possível”, diz Sodré, daquelas camadas da população urbana que estavam em condições de conceder atenção às letras, e que se comportavam, nisso como em tudo, de acordo com as suas origens e condições de classe, camadas que englobavam o estudante, a mulher, o pequeno funcionalismo, parte do grupo comercial. Era uma sociedade, a do Império, que concedia às manifestações literárias sobras de atenção, sobras de apreço, aquela atenção e aquele apreço próprios do lazer e do repouso, ligados estreitamente ao conceito de arte como divertimento, como evasão da rotina, como busca do sonho, como refúgio, como preenchimento do ócio.

A participação do público vai começar a se definir, entretanto, com o aparecimento da ficção romântica. “A leitura – escreveu Lavelle – nos dá uma familiaridade e até uma fraternidade com pensamentos que diferem do nosso e, amiúde, o ultrapassam: a leitura torna-se uma espécie de sociedade que formamos com outros homens por intermédio de um só. E Olívio Montenegro, estudando o romance brasileiro, confirma esse laço de participação que encontra as mais amplas possibilidades condicionadas ao meio e ao tempo, no campo da ficção.

De todas as formas de arte ainda é a literatura a de significação mais universal, e das formas de literatura ainda é o romance a que se prefere mais; a que atrai uma massa ilimitada de leitores. O que, aliás, bem se compreende: o romance é a forma de arte que o leitor participa mais intimamente, já pela sua liberdade de rever-se nas personagens, já pela liberdade ainda mais deliciosamente pura de julgá-los. (MONTENEGRO, 1949, p. 24)

Aparece, na fase em que existe um público, ainda que reduzido, para assegurar-lhe vida. Vem atender uma necessidade, uma exigência, uma solicitação natural e espontânea do meio, quando o Brasil atinge a uma etapa de desenvolvimento em que a atividade literária se torna possível quando a vida urbana estabeleceu as condições mínimas para a sua existência.

Inserimos aqui a afirmação de Nelson Werneck Sodré (1969), um rápido e mesmo superficial exame do que a literatura já conseguira realizar mostra como o esforço criador consumira quase todas as suas possibilidades na poesia. Literatura era poesia, por assim dizer. Nem se compreenderia de outra forma até o fim do século XVIII. Só como poeta conseguia alguém se realizar literalmente, no reduzido círculo dos interessados. Não só a maioria esmagadora dos trabalhos surgidos do primeiro ao terceiro século era constituída de versos, como o verso era a forma alta, a forma nobre de traduzir o sentimento literário. A prosa era plebéia e vulgar. Quando a autoridade do autor a emancipava desse plano subalterno, constituía mero veículo: servia para concretizar a crônica, genealogia, elogio acadêmico, a narrativa de viagem, trabalho político ou histórico, o discurso parlamentar, jornalismo e algumas tentativas de moralismo e filosofia.

Tal movimento vem traduzir, não só no campo literário, as alterações já pronunciadas de uma sociedade em que novos fatores surgiam e velhos fatores mudavam de sentido e de força.

Ao lado do nosso romantismo e inseparável dele existiu no Brasil todo um cortejo de formas e idéias que convém por em relevo para a boa inteligência desse movimento, mas que não pertence, em verdade, à história da literatura. Houve uma política, uma sociedade, um clero obedientes à mesma inspiração que animou aquela escola de poetas.
O romantismo correspondente, pois, a um momento histórico do Brasil que, na história de suas idéias, traduz ainda a influência francesa. (CRUZ COSTA, 1969, p. 214)

Segundo Sodré, nosso romantismo, como expressão substantiva, trata-se de processo ultrapassado; como posição diante do homem e de suas relações, sinônimo de idealismo, sendo expressão adjetiva, existirá enquanto existirem determinadas condições sociais que o motivam. Neste último sentido, e só nele, está claro persistirem na existência brasileira, traços românticos, facilmente perceptíveis, denunciando a presença de restos ainda da estrutura colonial31.
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31 Algumas datas podem auxiliar e esclarecer o advento do romantismo no Brasil. Em 1825, José Bonifácio publica as suas “Poesias”, editadas em Bordeaux (França). Em 1832, Gonçalves de Magalhães publica o volume das “Poesias”, aparecido em Paris. A vida urbana, no Brasil, já sofrera alterações e, entre elas, com repercussão no campo literário, estava a do aparecimento de uma imprensa mais estável, com órgãos de vida longa e já não mais as efêmeras folhas políticas do primeiro e do segundo decênio do século. O Diário do Rio de Janeiro (1821) e o Jornal do Comércio (1827). “Suspiros Poéticos”, de Magalhães, surge em 1936. O importante é que se desencadeia, então, uma série de acontecimentos que prenunciam a mudança literária e que vão balizando o seu desenvolvimento até o instante em que o romantismo se define, caracteriza a sua vigência.

Com Joaquim Manuel de Macedo o romantismo brasileiro conhece o romance urbano. Sendo neste momento que a ficção conquista os leitores do tempo. Segundo Sodré (1969), em Macedo, o que aparece é a rua, a casa, o namoro, o casamento, o escravo doméstico, a moça conservadora, o estudante, o homem de comércio, a matrona, a tia, o médico, o político, a pequena humanidade que vive na Corte, que se agita em seus salões, que freqüenta o teatro, que se agrupa nas repúblicas, que povoa as lojas, que lê os jornais e que discute os acontecimentos do dia. São romances do trivial, compostos com uma graça sem sutileza, tendo excessos de acomodações, com a presença fiscalizadora e condutora do autor em todos os instantes, com uma intenção definida “a priori”, dentro de critérios morais fixos, rigorosamente padronizados, com o triunfo do bem e arremates bem arrumados, ficção comedida, vulgar, feita de pequenos fatos e de pequenas criaturas, sem tipos, sem relevos, sem asperezas, montada em relações cerimoniosas, fiel à realidade, nas minúcias, descambando para o inverossímil no conjunto – romance que, sob muitos sentidos, espelha o seu público, submete-se ao seu gosto e respeita as suas convenções. Macedo teve a habilidade de movimentar-se com desembaraço nos escolhos de um oceano de convencionalismos, conseguindo, apesar de tudo, fazer um público que se compunha principalmente de mulheres e de estudantes. Refletiu os sentimentos e também a trivialidade da vida social dos meados do século, sendo seu narrador miúdo, o próprio cronista, sempre distante de qualquer perigo, fugindo as fascinações extremas, rigorosamente autopoliciado.

O romance “A Moreninha”32 o primeiro do romantismo brasileiro, garantiu a Macedo o pioneiro eirismo de fato nesse gênero literário.

O título do livro surgiu do próprio protagonista do enredo, o personagem Augusto, em homenagem à Carolina. Durante o desenrolar da história, evidenciam-se os traços da protagonista, principalmente a cor do rosto: pele morena. Em vista disto, as pessoas mais íntimas chama-na de Moreninha.

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32"A Moreninha" constituiu-se numa pequena revolução literária no Brasil imperial, inaugurando o romance brasileiro, e é até hoje é reeditado com relativo sucesso e ainda é lido com prazer. Estudiosos da obra macediana observam que a protagonista do romance, Carolina, é uma clara alusão à personalidade e ao comportamento de Maria Catarina de Abreu Sodré, sua esposa e prima-irmã do poeta Álvares de Azevedo.
O sucesso de “A Moreninha”, que ganhou várias reedições ainda em vida de seu autor, está vinculado à capacidade do enredo de amarrar o leitor numa atmosfera de lenda e de sonho do romance, aguçando a curiosidade dos leitores com pequenos enigmas, conflitos simples e uma leitura fácil e agradável. Trata-se de uma obra composta para agradar o seu público alvo, formando na maioria de mulheres e estudantes.

A Literatura e a Psicologia



Com o título “Psicologia da Literatura”, pode-se designar o estudo psicológico do escritor, do tipo e do indivíduo, o processo criativo, o desempenho dos tipos e leis psicológicas presentes em obras literárias ou, finalmente, os efeitos da literatura sobre os seus leitores.

Dizendo sobre o fato psicológico da literatura, Roland Barthes afirma o seguinte:

O que se pode dizer acredita, é que a exploração da linguagem está no começo, ela constitui uma reserva de criação de uma riqueza infinita; pois não deve se acreditar que essa exploração é um privilégio poético, considerando-se que a poesia deve ocupar-se com as palavras e o romance com o “real”; é toda a literatura que é problemática da linguagem. (BARTHES, 1970, p. 79)

De acordo com Wellek e Warren (2003), a natureza do gênio literário sempre atraiu a especulação, e já no tempo dos gregos ele era relacionado com a “loucura”. O poeta é o “possuído”: ele difere dos outros homens, simultaneamente menos e mais, e o inconsciente do qual ela fala faz se sentir, ao mesmo tempo, como sub e supra-racional.

Outra concepção antiga e persistente afirma que o “dom” do poeta torna-se uma compensação:

(...) a Musa levou a visão dos olhos de Demôcoco, mas deu-lhe o adorável dom da canção (na Odisséia), assim como o cego Tirésias, é concedida a visão profética. Nem sempre, é claro, desvantagem e dom apresentam uma correlação tão direta, e a doença ou deformidade pode ser psicológica ou social em vez de física. O Poeta Pope era corcunda e anão; Byron era manco; Proust era um neurótico asmático, de ascendência parcialmente judaica; Keats era mais baixo que outros homens (anão); Thomas Wolfe muito mais alto (2,10 metros). A dificuldade com a teoria é justamente a sua facilidade. Após o acontecimento, qualquer sucesso pode ser atribuído à compensação, pois todos têm responsabilidades que podem servir-lhes de incentivos. Dúbia, certamente, é a difundida visão de que a neurose e a compensação diferenciam os artistas dos cientistas e de outros “contemplativos”: a distinção óbvia é que os escritores muitas vezes documentam os seus próprios casos, transformando suas moléstias em “material temático” (WELLEK e WARREN, 2003, pp. 94-95)

Machado de Assis era epilético, vesgo e mulato. As questões básicas a serem colocadas são estas: se o escritor, um neurótico (como Proust, que escreveu trinta páginas esperando o beijo da mãe para dormir) de onde tira o tema da sua obra ou é apenas a sua motivação? Outra questão: se o escritor for neurótico nos seus temas (como Kafka certamente o foi), o seu trabalho torna-se inteligente para os leitores? O escritor deve estar fazendo muito mais do que registrar um histórico do caso. Na afirmação de Wellek e Warren, o autor deve estar lidando num padrão arquetípico (qual Dostoievski em “Os irmãos Karamazov”) ou num padrão de personalidade neurótica amplamente difundido no nosso tempo.

A visão de Freud a respeito do escritor não é inteiramente estável. Como muitos dos seus colegas europeus, notadamente Jung e Rank, era um homem de cultura geral elevada que, respeitava os clássicos e a literatura alemã. Então, também descobriu na literatura muitos “lampejos” que anteciparam e corroboraram a seus próprios – em “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski, em “Hamlet”, de Shakespeare, no “Neveu de Remeau”, de Diderot, na obra de Goethe. Mas ele também pensava no autor, um neurótico obstinado pelo seu trabalho criativo, esquivando-se a um colapso e também a qualquer cura real.

O artista é originalmente um homem que se afasta da realidade porque não consegue entrar em acordo com a exigência de renúncia à satisfação instintiva quando ela se apresenta pela primeira vez e que, então, na vida da fantasia permite plana liberdade aos seus desejos eróticos e ambiciosos; mas ele encontra um caminho para sair desse mundo de fantasia e voltar à realidade; com os seus dons especiais, ele molda as suas fantasias em um novo tipo de realidade, e os homens concede-lhes justificativa como reflexos valiosos da vida real. Assim, por certo caminho, ele efetivamente, se torna o herói, o rei, o criador, o favorito que desejava ser, sem o caminho tortuoso de criar alterações reais no mundo exterior. (FREUD, 1961, p. 172)

Freud e Machado de Assis foram contemporâneos, sendo provável que o autor brasileiro jamais chegou a ler Freud, mas como diz o médico austríaco, criador da psicanálise, o escritor, alguém que sonha acordado, após realizar o sonho se valida socialmente. Em vez de alterar o seu caráter, ele publica as suas fantasias.

De acordo com críticos mais hodiernos, entre eles Ignácio de Loyola Brandão, Machado de Assis fez de sua heroína “Helena”, um tipo ideal de mulher, a que ele queria para si, e, diante da impossibilidade de tal sonho ser realizado, Helena morre, concomitantemente a seu sonho. Acaba se casando com Carolina, quatro anos mais velha que ele, e a quem dedicou um dos sonetos mais lindos da literatura brasileira: “foram anos idos e vividos”.

Aproveitando as palavras de Wellek e Warren (2003), em explanação um pouco confusa, na descrição de Freud, presume-se, dá-se conta do filósofo e do “cientista puro” juntamente com o artista, e, portanto, um tipo de redução “positivista” da atividade contemplativa ao observar e nomear em lugar do agir. Não faz justiça ao efeito indireto ou obliquo do contemplativo, às alterações no mundo exterior efetuadas pelos leitores dos romancistas e filósofos. Também deixa de reconhecer que a criação, ela própria um modo de trabalho no mundo exterior, pois, enquanto o sonhador se contenta em sonhar com escrever os seus sonhos, alguém esteja efetivamente escrevendo e se ocupando de um ato de exteriorização e de ajuste à sociedade.

No dizer de Wellek e Warren, a maioria dos escritores se esquivou a subscrever o freudianismo ortodoxo ou a completar o seu tratamento psicanalítico, onde alguns haviam começado. Não quiseram ser “curados” ou “ajustados”, pensando que deixariam de escrever se seguissem os métodos de seu psicanalista famoso, ou que o ajuste proposto fosse a uma normalidade ou a um ambiente social que rejeitavam como hipócrita ou burguês. Assim, W.H. Auden afirmou que “os artistas devem ser tão neuróticos quanto puderem suportar”.

Retomamos o ponto de vista de Wellek e Warren (2003), a teoria da arte como neurose suscita a questão da imaginação em relação à crença. O romancista é análogo não apenas à criança romântica que “conta histórias” – isto é, reconstrói a sua experiência até conformá-la ao seu prazer e crédito, mas também ao homem que sofre de alucinações, confundindo o mundo da realidade com o mundo de fantasia das suas esperanças e medos?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Embriaguem-se Baudelaire

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

Estudo do romance Helena - Uma leitura de Machado de Assis

I - OBJETIVOS

No ensejo de que o ano de 2008 foi marcado pelo centenário da morte de Machado de Assis, conjecturou-se sobre o estudo de um de seus romances.
A escolha recaiu em “Helena” por dois motivos: primeiramente porque o autor sentia uma confessada preferência por ele, segundo, foi com este romance que Machado firmou-se como escritor respeitado e requisitado pelo público e pela mídia.
Poder-se-ia, ainda ressaltar, que “Helena” foi o principal trabalho de Machado de Assis da fase romântica de sua obra e um dos mais populares até nossos dias.
Outro objetivo deste estudo é sopesar no romance a presença do conflito, da incerteza e sofrimento sentimentais, problemas éticos e existenciais, o amor paternal e filial, que até a sua publicação no ano de 1876, inexistia na literatura brasileira.

II- METODOLOGIA

De princípio, após a leitura e releitura do romance “Helena”, foram anotados vários trechos que selecionei por sua importância no enredo, principalmente aqueles que continham metáforas e que se prestavam a uma interpretação semiológica.
A seguir, procedeu-se a leitura de alguns críticos literários, entre eles Lúcia Miguel Pereira, Nelson Werneck Sodré, Augusto Meyer, Regina Zilberman, H. Pereira da Silva, Ana Maria de Almeida etc.
Dos trechos escolhidos, algumas palavras foram separadas e, consultado o Dicionário de Símbolos, consultou aquelas que, de uma certa forma, faziam algum sentido na construção da frase em relação ao enredo do romance.
Consultou-se a mitologia com respeito ao mito de Helena de Tróia.
A história e o ambiente social da época são citados “en passant”, assim como o público alvo de Machado de Assis.

III - DESENVOLVIMENTO

3.1 O Romance “Helena”

Nos 28 capítulos do romance, o enredo transcorre de forma linear, ou seja, em linha reta, sem tropeços ou idas e voltas. Uma morte no início, uma morte no final.
Morre o Conselheiro Vale, procede-se a abertura de seu testamento, toma-se conhecimento da existência de Helena, concluindo o romance com a morte desta.
Entre o início e o fim, transcorrem os dez meses vividos por Helena no Andaraí, em companhia do irmão, Estácio, da tia Dona Úrsula, e dos amigos que os visitam regularmente, sendo mais íntimos o Dr Camargo e família Mendonça, por um tempo noivo da heroína, e o Padre Melchior, o conselheiro religioso e sentimental da maioria das pessoas.
Apesar de uma aparente amenidade, o desenvolvimento do enredo não se dá sem conflitos e percebe no seu desenrolar uma série de dificuldades. O primeiro problema, tornado conhecido na abertura do testamento do Conselheiro Vale, refere-se ao anúncio da existência de uma filha ilegítima, assunto comentado por Camargo, sua chegada a Andaraí e conquista da família: o irmão a aceita antes de conhecê-la, porém D. Úrsula resiste por mais tempo.
O segundo grupo de conflitos é mais complexo: Camargo percebe a crescente influência de Helena no seio familiar, sobretudo sobre o irmão, e a possibilidade de que ela venha atrapalhar seus planos relativos ao casamento de Estácio com Eugênia. Ao mesmo tempo, Helena, que aparentemente deveria sentir-se bem no novo lar, confessa ao irmão ser “uma pobre alma lançada num turbilhão”(1). O rapaz vai protelando o pedido de casamento e parece preferir estar em casa, entre seus papéis e parentes, embora não pareça haver qualquer motivo para o adiamento, ainda mais que Estácio e Eugênia se amam desde crianças e desde então prometidos um ao outro.
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(1) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática 1975, p. 39.
Camargo está impaciente com a indecisão do rapaz e resolve intervir, e de forma malévola, ameaçando Helena de tornar público seus passeios matutinos, se ela não auxiliar de forma direta em fazer com que Estácio se resolva a pedir Eugênia.
Por outro lado, Padre Melchior, armado de boas intenções, conclui que a atitude de Estácio não é adequada e aconselha Helena a se casar com Mendonça, que a esse tempo já não escondia seus sentimentos pela moça.


Para melchior, que já nutria alguma desconfiança, o duplo casamento parece uma boa saída para um dilema que se desenhava a olhos vistos, ocasionados por sentimentos clandestinos e condenados pela sociedade.

A verdade se torna clara, quando Estácio recebe carta de Mendonça, revelando a união já programada entre ele e sua irmã. Estácio cai em si e se desespera. Para esse problema, o do amor do jovem pela protagonista, não há solução possível que satisfaça a moral e bons costumes.

A resolução do impasse vem por meio de Salvador: este revelar a verdade sobre a filiação de Helena, os acontecimentos que culminaram com a adoção de sua filha pelo conselheiro, desaparecendo a seguir.

Helena, mergulhada em seus problemas individuais, sua origem ilegítima, sua situação inautêntica no novo lar, impossibilidade de realizar-se na vida sentimental e, devido a tudo isso, não poder ser feliz, não resiste o fato da revelação e o desaparecimento de Salvador, ela escolhe sua própria aniquilação.

A ação do romance, com a morte de Helena, é reconduzida ao seu início: não apenas porque o enredo começa e termina com uma morte, mas também porque com o seu desaparecimento, tudo retorna à situação anterior à abertura do testamento do Conselheiro Vale. Estácio é de novo filho único, está na posse integral de sua fortuna (divisão muito lamentada por Dr. Camargo) e pode casar com a prometida da infância, a bela e fúvola Eugênia.

Tudo está mudado após a passagem de Helena, mas, ainda assim, há o retorno ao início, não só porque se recupera a situação por onde a narrativa começou; também porque esta induz ao retrospecto, o leitor sendo levado a rever a trajetória ficcional na busca das pistas e situações que provocaram o fim lastimável da heroína.

3.2 A releitura da estratégia do autor

“Helena” foi publicada originalmente sob a forma de folhetim no jornal “O Globo”, saindo com regularidade entre agosto e novembro de 1876, e só depois, mas no mesmo ano, sendo editada em livro, pela Garnier.

O texto motiva o retrospecto, obrigando o leitor a interpretar os acontecimentos. Não basta acompanhar a linearidade cronológica com que os eventos são apresentados: enigmas são plantados durante esse percurso e precisam ser reexaminados, a fim de se alcançarem o sentido e a coerência do relato. (ZILBERMAN, 1989, p.76)

Machado de Assis, provavelmente já havia programado o texto desde o início pára a sua publicação, visto que quando começou a lançá-lo em capítulos pelo “O Globo”, já tinha contrato assinado com a editora Garnier.

Segundo Regina Zilberman (1989), a narrativa parece apresentar um esquema definido e organizado desde a página de abertura. A ação não avança desconsiderando o que foi apresentado antes; pelo contrário, as pistas dispostas durante o percurso são retomadas e explicadas, deixando em aberto apenas pequenos detalhes. Machado de Assis redigiu a intriga com planejamento e determinação, não deixando ao sabor das circunstâncias a sorte de seus protagonistas. Traçou antes o destino deles, não se deixando comover com a retórica sentimental com que ele mesmo os caracteriza.

Para despertar o interesse do leitor, Machado espalhou ao longo do enredo vários enigmas, colocados em momentos estratégicos. Exemplo disso é a confissão de Helena, que diz ter a alma num turbilhão e ativa a curiosidade de Estácio numa cena que se possa logo após o passeio a cavalo feito pelos dois, quando tudo parecia transcorrer na normalidade, com a jovem subindo de cotação no conceito da família, na casa e no círculo de relações dos Vale. Entretanto, de outra feita, plantou-se o mistério; a curiosidade? O ciúme?

No dia seguinte de manhã, informado de que a tia dormia sossegadamente, Estácio abriu uma das janelas do quarto e relanceou os olhos pela chácara. A alguns passos de distância, entre duas laranjeiras, viu Helena a ler atentamente um papel. Era uma carta, longa de todas as suas quatro laudas escritas. Seria alguma mensagem amorosa?Esta idéia molestou-o muito. (ASSIS, 1975, p. 46)

A malévola alusão de Camargo aos passeios de Helena, é outra dessas iscas lançadas para chamar a atenção do leitor e incitá-lo a prosseguir a leitura, num ponto em que tudo parecia calmo, com o narrador sem ter muito mais a contar. Entretanto, as ações se entrecruzam, visto que, em outra passagem, Estácio ao pedir à irmã que não saísse a passeio sem sua companhia, esta lhe responde que talvez não o possa obedecer, pois este nem sempre poderá acompanhá-la. (2)

São todos pontos da narrativa que estimulam o retrospecto. A introdução da casa de bandeira azul mostra isso: ela aparece quando do primeiro passeio de Helena, ainda na companhia de Estácio. A chegada ao local parece casual, revelando a moça na ocasião ser boa cavaleira, quando, na véspera, tenha pedido ao irmão para ensinar-lhe equitação. Aparenta também ser bem segundas intenções o desenho da mesma casa, entregue a Estácio no dia de seu aniversário.

Pelo retrospecto, verifica-se ser falsa a casualidade: Helena planejara visitar Salvador, e a bandeira azul era o sinal combinado entre os dois. Este tipo de revisão, portanto, não se faz necessário apenas para compreender ao acontecimento; ele leva a encará-los de maneira diversa, de que resulta uma modalidade de desenvolvimento. (ZILBERMAN, 1989, p. 77)

Outra forma de ativar a curiosidade, e também a imaginação, é deixar uma ação em suspenso. Após o colóquio em Camargo, na festa de aniversário de Estácio, Helena pretende escrever uma carta. Para a família? Para o pai? Machado não esclarece. O leitor faz conjecturas...

Visto por outro ângulo, o retrospecto é, por si mesmo, contraditório: indesejado pelo protagonista, moça de caráter confessadamente irrepreensível e foco da simpatia da obra, é induzido pelo narrador, que, com cuidado, dissemina mistérios pela intriga, simultaneamente sugerindo que se volte a eles para melhor entender a ação apresentada. Estabelece-se o atrito entre a personagem e o enredo, colocando-se no meio o alvo tão evitado e, ao final concretizado: o desmascaramento. (ZILBERMAN, 1989)

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(2) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática: 1975, p. 53

Embora alegue inocência, Helena teme o desmascaramento acima de tudo, pois a revelação de sua identidade coincidirá com a atribuição de interesse calculista de suas atitudes. Embora seu destino tenha sido decidido sempre em instâncias independentes de sua vontade – o abandono de Salvador por Ângela, a adoção do Conselheiro, a aceitação dos termos do testamento por insistência do pai – é ela quem acaba sofrendo as conseqüências e precisa se justificar. Essas ações à revelia de sua vontade atenuam em julgamento mais rigoroso, mas mesmo assim permanece um resíduo pelo qual é responsável e que sua integridade pessoal rejeita a si própria: prestou-se à farsa, aceitou as condições, aqui de forma dúbia, pois, querendo ou não, seduziu Estácio; além disto, as testemunhas que poderiam defendê-la morreram (Ângela e o Conselheiro) ou desapareceram (Salvador). Não dispõe de nenhum álibi e, se houvessem outros depoimentos favoráveis, teriam de proceder dos diretamente interessados, como Estácio e D. Úrsula. Fica assim, entregue a si mesma e à sua parcela de culpa.

Mas o problema não diz respeito somente a Helena. Nela se concentra um dilema que aflige outras personagens: Eugênia, embora sua frivolidade impeça-a de compreender a natureza de sua condição social, e Mendonça. É por meio dele, que aparece o drama crucial das personagens. Ele precisa provar que seu afeto por Helena é puro e bem intencionado, embora o casamento de ambos – ele, de boa família, mas pobre e sem futuro fora do funcionalismo público; ela, rica, mas de origem espúria, ainda que reconhecida pelo pai fictício – não possa ser mais conveniente aos olhos dos demais e deles mesmos.

A história manipula essa ambivalência: todos agem com a maior correção, todavia, suas ações não resistem ao crivo da análise retrospectiva. Precisam parecer imaculados ao extremo, e só esse exagero compensa o risco da desconfiança. E ainda assim esta os submete, porque parte de dentro do próprio enredo, e nem Mendonça escapa, pois dele é antecipado que só um bom casamento o salvaria do trabalho e da mediocridade do Rio de Janeiro. (ZILBERMAN, 1989, p. 78)

Entretanto, se pesa sobre essas personagens a ameaça de desmascaramento, ninguém deveria experimentar este problema com mais intensidade que Estácio. O jovem, rico e talentoso filho do Conselheiro Vale não precisa temer por seu passado, nem pelo futuro, antecipado pela carreira política em que ensaia os primeiros passos mas, por outro lado, ele oculta a paixão mais condenável: a atração que sente por Helena, de natureza incestuosa, mascarada por um temperamento doméstico e um coração generoso.

O processo de ocultação dos sentimentos interiores de Estácio é mais fino. Enquanto Helena está consciente de tudo, escondendo de todos, mas não de si mesma, as peças mais importantes do enredo, Estácio não somente atua de modo inconsciente, como não quer admitir a natureza de seu afeto, reprimindo-o como tal e deslocando-o para o ciúme possessivo com que trata o caso sentimental da irmã e seu amigo Mendonça.

O mascaramento é duplo – Estácio, como Helena, esconde a verdade do leitor; mas, ao contrário dela, esconde-a também de si mesmo. É necessária a intervenção de uma instância superior, papel atribuído a Melchior, para ela ser extraída com todas as palavras. só então o leitor tem confirmadas suas suspeitas; mas, chegando a esse estágio, ele pode desconfiar de tudo, de modo que nova ocultação se faz necessária. Mais uma vez a morte de Helena se mostra oportuna, pois, com ela, ficam sepultados os segredos – e, mais importante, as suspeitas que deterioram a pureza das intenções e dos sentimentos, a integridade das pessoas, a harmonia e regularidade do universo doméstico. (ZILBERMAN, 1989, p. 79)

A oscilação entre encobrimento e revelação, permite ao autor analisar a índole das regras sociais, que existem para garantir a aparência de normalidade e honestidade a ser transmitida pelo comportamento das pessoas.

3.3 Sociedade e aparência

No momento ficcional do romance Helena (1850-1851) a sociedade carioca é regida por “leis” que se lastreiam sob uma dupla perspectiva. E é sob essas duas faces que norteiam as condutas que machado de Assis desenvolve o enredo.
De um lado, as leis regulam a vida familiar, condenando a atração incestuosa que talvez fosse mais presente do que se possa imaginar, dentro da estrutura patriarcal de uma sociedade fechada, imóvel e fundada na dominação de um chefe da clã sobre parentes, agregados e servos (ZILBERMAN, 1989). O autor trabalha esse aspecto em níveis diferentes. O menos complexo e mais evidente quando eclode a verdade diz respeito ao par Estácio-Helena: Melchior denuncia, o rapaz ama a irmã, mas o fato é desculpável, por decorrer provavelmente da falta de convivência dos dois durante a infância. Poder-se-ia dispensar as justificativas já que eles não são irmãos: o incesto é apenas aparente. O escândalo é contornado, mas, até a verdade se tornar evidente, o leitor é levado a aceitar a situação que, embora agradável aos cânones românticos da época, é insuportável do ponto de vista das convenções.

Num segundo plano dá-se a relçação Camargo-Eugênia. Camargo, que é também o vilão da intriga, embora, no fundo, não prejudique ninguém, tem um amor possessivo pela filha, através de quem deseja triunfar socialmente. A causa da paixão é, ao mesmo tempo, sua atenuante, com o que Machado resguarda mais uma vez as aparências.
Todavia, no terceiro nível, a relação incestuosa é menos evidente e, simultaneamente, mais daninha: Helena e salvador mantém um relacionamento de amantes, encontrando-se às escondidas e às expensas dos prejuízos que as visitas dela possam lhe carrear. Relativamente a Salvador, Helena age como Electra, cultuando o pai que fora traído pela mãe; e por ele sacrifica, morrendo ao perdê-lo. Eis outro dos agravantes que a condenam á morte, sendo que, de novo, não conta com uma desculpa à altura do crime. (ZILBERMAN, 1989, P. 80).

No que diz respeito ao casamento, tema legalmente mais fácil de ser abordado, na trama do romance não deixa de ser problemático. “Helena”, a grosso modo, apresenta alguns casais enamorados que não podem casar entre si, visto que o sentimento mais profundo e autêntico, entre a heroína e Estácio, sofre dupla proibição: a do incesto, já referida; e a da diferença social, quando se devolve a moça à sua classe de origem. O casal ideal está separado de modo irreversível; restam os casais possíveis: Estácio e Eugênia; Helena e Mendonça. Apesar de contarem com o beneplácito da instituição mais respeitada no romance, a Igreja, representada por Padre Melchior, há evidente assimetria: Estácio é muito mais rico que Eugênia; Mendonça é muito mais pobre que Helena. E se Mendonça oferece a compensação de ser de “boa família”, ao contrário de Helena, de origem obscura. Eugênia, da sua parte, traz um dote medíocre.

Lidando com a oscilação entre encobrimento e revelação, Helena chega à beira de um tema que poria em causa a organização da sociedade, suas leis e instituições. Diante do abismo que se abre, ele recua: ainda assim, não deixa de questionar a aparência, fazendo-o por meio do modelo narrativo, de tipo prospectivo /retrospectivo, e do comportamento das personagens, seguidamente preocupadas com que os outros vão pensar e recebendo a confirmação de que essa atitude se justifica. (ZILBERMAN, 1989, p. 81)

Machado de Assis, em linhas gerais, assume no romance o papel de defensor das aparências, procurando apresentar o mundo interior das personagens num ângulo que visa confirmar que as atitudes delas são corretas. A cena que se segue logo após à proposta de casamento de Helena, feita por Mendonça, é esclarecedora: proponente está em vias de ser denunciado como oportunista por Estácio e mais toda a sociedade carioca. O socorro parte do narrador, tendo participação direta no evento, a fim de abonar e salvaguardar a sinceridade e nobreza do seu comportamento.

Segundo Regina Zilberman (1989), o narrador está sendo conivente com as aparências, pois suas palavras visam impedir que se faça mau juízo do rapaz; ou que venha à luz o caráter conveniente do matrimônio para as duas partes. Em outras palavras, quando expõe a interioridade de Mendonça aos olhos do leitor, quer encobrir a evidência de que consórcios como o de Mendonça e Helena faziam parte do mercado amoroso da época, segundo o qual cada um dos parceiros entrava com sua cota, comprando ou vendendo o corpo que lhe faltava.

3.4 O leitor de “Helena” e seu momento histórico

O espectro social dos leitores da época em que o romance saiu em folhetim e logo após publicado (1876) era bastante reduzido, pertencendo a um grupo socialmente elevado ou a um setor intermediário, ainda pouco representativo, composto da classe média ou de brancos livres que sabiam ler e trabalhavam como agregados ou dependentes da alta burguesia.

A ação ficcional passa-se entre 1850-1851, sendo os fatos mais remotos retrocedendo às décadas de 20 e 30, respectivamente quando o Conselheiro casou e nasceu Estácio, Ângela e Salvador fugiram e nasceu Helena. Uma geração separa a data de produção da obra e a dos eventos fictícios, distância temporal ainda rara nos escritos de Machado.

Conforme Regina Zilberman (1989), talvez tanto o distanciamento (publicação da obra), quanto o ano durante o qual transcorre a ação, tenham sua razão de ser, já que os historiadores com notável unanimidade acentuam a importância de 1850 para a trajetória do Segundo Império. Nesse ano, pressionado pelo governo inglês, o Brasil obrigou-se a definitivamente proibir o tráfico de escravos africanos. Na ocasião, o país assistia ao crescimento da importância do café na pauta das exportações, substituindo o açúcar e os demais artigos agrícolas em que se fundava a economia desde o período colonial. Também as fazendas produtoras de café dependiam do braço escravo; todavia, muitas delas vão aos poucos se organizar sobre bases mais dinâmicas e adequadas às necessidades do capitalismo moderno, estimulando muito lentamente uma política de imigração de trabalhadores europeus brancos.
Estes acontecimentos – proibição do comércio de africanos, reduzindo-o ao tráfico interno que importará negros do Nordeste, onde a cultura do açúcar, derrotada pelos cafeicultores e privada de braços, decairá mais rapidamente; a mudança de pólo econômico, aproximando-o geograficamente da capital do país, somados a outros, como o início da modernização do Rio de Janeiro e os primeiros passos na direção da industrialização, vão modificar bastante a sociedade carioca.

Entre o Rio de Janeiro de Helena – personagem e o de “Helena”- livro, as transformações são significativas: a velha sociedade patriarcal, de fortes componentes coloniais, estava sendo substituída por uma formação social mais diversificada, onde, à tradicional oligarquia rural, se acrescentavam uma burguesia endinheirada à custa dos negócios de importação e exportação ou dos novos empreendimentos financeiros, uma classe intelectual mais ativa, que reivindicava mudanças políticas, e um grupo intermediário, mas não menos importante, em que se misturavam imigrantes, funcionários públicos, comerciantes, jornalistas, professores etc.

A realidade ficcional de “Helena” não é bem essa: ali representa-se uma sociedade rigidamente dividida e hierarquizada, com opções muito restritas de trabalho, ascensão e realização pessoal. De certa maneira, todos são vítimas dessa estratificação e estreiteza, pois mesmo Estácio perde sua oportunidade de ser feliz. Sob este aspecto o livro esboça uma crítica sutil; ao mesmo tempo, antecipa o final desse mundo, já que sua superação está em vias de acontecer a narrativa principia.
(ZILBERMAN, 1989, p. 85).

Talvez seja este o motivo do enredo começar e terminar com uma morte que, reconduzindo os acontecimentos à origem confere-lhes agora uma nova dimensão. Realizou-se o rito de passagem, e Helena foi o objeto de sacrifício. Esta circunstância indica que algo mudou, pois o ritual prepara a atualidade para o que está por vir. Se ao final a ação retoma o ponto de partida é porque foi necessário corrigir seu percurso, que este não é mais o mesmo, tendo-se rompido o ciclo da estagnação, uma nova realidade mostrando-se apta para acolher a emergência/ urgência do novo.

Entretanto, a responsabilidade em última instância por esse sacrifício cabe ao Conselheiro, síntese completa do velho mundo colonial, conforme sua descrição, na primeira página do romance, sugere:

O conselheiro, posto não figurasse em nenhum grande cargo do Estado, ocupava elevado lugar na sociedade adquiridas cabedais, educação e tradições de família. Seu pai fora magistrado no tempo colonial, e figura de certa influência na corte do último vice-rei. Pelo lado materno descendia de uma das mais distintas famílias paulistas. (p. 11)

Digno de atenção é o fato de a história contemporânea à ação ficcional não ser mencionada na narrativa: não há qualquer referência aos eventos que agitavam a vida carioca nos anos 50 e que direcionariam o país para uma nova fase. A vida no Andaraí parece não se dar conta desses acontecimentos, circunstâncias que amplia a cegueira de Estácio, indicando ao leitor que, se depender do herói, igualmente terá seu raio de visão restringido.

É oportuno observar como se opera essa omissão: a história encaminhava-se para a superação da organização social herdada da colônia; dentro do universo fechado da narrativa, a marcha daquela não é percebida, nem mencionada. Talvez porque, no fundo, não se constatar diferença substancial; ou porque o autor tivesse preferido optar pelos valores tradicionais (3), ainda quando vitimavam pessoas tão qualificadas como Helena.

Conforme Regina Zilberman (1989), é Helena que corre em direção mais diametralmente oposta à da história. Esta, coincidindo com a modernização da sociedade, determinará a relativa emancipação da mulher. A heroína, porém, ainda não conta com essa opção: ou permanece na dependência dos Vale ou se prostitui, como sua mãe, que fez ambas as escolhas. A possibilidade de emancipação começava a se esboçar para a leitora de Helena, mas era ainda remota: a mudança não tinha chegado a ponto de converter a mulher em força de trabalho fora do lar e do casamento. Apenas poderia ser cogitada e pode-se supor que Machado tenha desejado lidar com esse intervalo. Nem Helena, nem a leitora tinham chances diferentes, mas o autor não aspirava à completa assimilação entre protagonista e destinatário.
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(3) c.f a respeito Schwarz, Roberto. Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo, Duas Cidades, 1977.

IV – MITOLOGIA, METÁFORAS E SEMIÓTICA

4.1. Pequena elucubração mitológica

Ao longo do romance “Helena”, a noção de que os filhos pagam pelos erros dos pais é reiterada com alguma insistência. A cena entre Estácio e o padre, representa-a bem, o rapaz indiretamente acusando o pai por causar-lhe os problemas sentimentais insolúveis que está enfrentando.

Por esta razão, a escritora e pesquisadora norte-americana Helen Cladwell, estudiosa da obra machadiana, aproxima o jovem Estácio a outro paradigma mítico, vendo-o como reencarnação de Orestes. Helena, por sua vez, não é menos vítima: primeiramente, da irresponsabilidade de Salvador e Ângela ; depois, do testamento do Conselheiro que, ao causar-lhe a imolação futura, associa a heroína a outro modelo da mitologia: Ifigênia, irmã e Orestes e Electra, sobrinhos da Helena grega de quem herda o nome.

4.2. Metáforas e semiótica(4)

“ O sol e a agitação alastravam-lhe a testa de pérolas de suor; ao ofego da marcha apressada juntava-se o da violência comoção”. (HE – p. 225)
- as gotas de suor ao sol figuram-se como pérolas.
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(4) Machado de Assis. Obra Completa (Org. Afrânio Coutinho). Rio de Janeiro. Ed. José Aguilar, 1959. V.I



Pérola (simbologia): na Europa medieval, a pérola era utilizada na medicina para tratar a melancolia, a epilepsia (Machado era epilético), a demência, etc.
Na literatura persa, designa-se com o nome de pérola um pensamento refinado, tanto em função de sua beleza quanto do fato de que ele é produto do gênio criador do autor.

“O céu não ficou logo claro; mas o vento amainou, e era de esperar que o sol se desfizesse enfim do seu capote de nuvens” (HE – p. 202)
- As imagens do capote e do manto aplicam-se às nuvens e ao nevoeiro, num trecho todo metafórico, pois que a tempestade nada mais é que arrufo de namorados.

Nuvem (simbologia): na mitologia grega, Helena, por que Paris se apaixonou e por quem se lutou a guerra de Tróia, não era senão um fantasma de nuvens, devido à magia de Proteu.

“Esse estado não durou muito; dez minutos depois de deixar a casa de Camargo, sentiu alguma cousa semelhante a dentada de um remorso”. (HE – p. 202)
- um sentimento qualquer aparece freqüentemente sob a imagem de uma dentada.

Dentada (simbologia): a marca dos dentes na carne é como o sinal gravado de algo espiritual: intenção, amor, paixão. É o selo que indica uma vontade de possessão.

“A vergonha flamejava no rosto; Helena voltou as costas ao irmão e afastou-se rapidamente”. (HE – pp. 221/222)
- o rosto com força de espelho.

Rosto (simbologia): o rosto é o símbolo do que há de divino no homem, um divino apagado ou manifesto perdido ou reencontrado. O rosto, símbolo do mistério, é como uma porta para o invisível, cuja chave se perdeu.

“Ele contemplava a moça, com o olhar fixo e metálico dos gatos; (...)”. (HE – p. 231)
- o olhar do tipo felino é freqüente, assumindo vários tipos de sugestão e interpretação.

Gato (simbologia): o simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal.

“Vimo-lo apresentar a Estácio a maçã política; (...)” (HE – p. 237)
- a tentação política aparece figurada na maçã.

Maçã (simbologia): A maçã é simbolicamente utilizada em diversos sentidos aparentemente distintos, mas que mais ou menos se aproximam: é o caso do pomo da Discórdia, atribuído pelo herói Paris, raptor de Helena; dos pomos de ouro do Jardim das Hespérides, que são frutos da imortalidade; da maçã consumida por Adão e Eva (símbolo de pecado e desobediência); da maçã do Cântico dos Cânticos que representa a fecundidade do Verbo divino, seu sabor e seu odor.
Trata-se, portanto, em todas as circunstâncias, de um meio de conhecimento, mas que ora é o fruto da Árvore da Vida, ora o da Árvore do Conhecimento do bem e do mal: conhecimentos unificador, que confere a imortalidade, ou conhecimentos desagregador, que provoca a queda.

“Chorou muito; chorou todas as lágrimas poupadas durante aqueles meses plácidos e felizes, leite da alma com que fez calar a pouco e pouco os vagidos de sua dor”. (HE – p. 231)
- neste exemplo, o autor reforça a imagem das lágrimas como leite, que, assim como faz a uma criança calar os seus gemidos e aquietar-se, acalma e cala a dor da alma.

Leite (simbologia): primeira bebida e primeiro alimento, no qual todos os outros existem em estado potencial, o leite é naturalmente o símbolo da abundância, da fertilidade e também do conhecimento; e enfim, como caminho da iniciação, símbolo da imortalidade. O leite possui também virtudes curativas contra veneno.

“Estou velho, minha filha; estes cabelos brancos são já a neve desse mar polar para onde navegamos todos”. (HE – p. 245)
- a velhice se associa à idéia figurada de “inverno da vida”, a que se liga, naturalmente, a idéia de “neve” e de “mar polar”. O “branco” dos cabelos é o sinal visível da associação.

Branco (simbologia): é uma cor de passagem, no sentido a que nos sugerimos ao falar dos ritos de passagem: e é justamente a cor privilegiada desses ritos, através dos quais se operam as mutações do ser, segundo o esquema clássico de toda iniciação: morte e renascimento. Por isso, o branco é primitivamente a cor da morte e do luto.

Mar (simbologia): águas em movimento, o mar simboliza um estado transitório entre as possibilidades ainda informes, uma situação de ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão, e que pode se concluir bem ou mal.

Velhice (simbologia): se a velhice é um sinal de sabedoria e de virtude, se a China desde sempre honrou os velhos, é que se trata de uma prefiguração de longevidade, um longo acúmulo de experiência e de reflexão, que é apenas uma imagem imperfeita da imortalidade. Assim, a tradição conta que Lao-Tsé nasceu de cabelos brancos, com o aspecto de um velho e que daí vem o seu nome, que significa Velho Mestre.

“Os olhos fitos nele, eram como um espelho polido e frio (...)”. (HE – p. 271)
- metáfora por comparação, significando uma censura grave.

Olho (simbologia): o olho, órgão da percepção visual, é, de modo natural e quase universal, o símbolo da percepção intelectual.

Espelho (simbologia): o espelho, enquanto superfície que reflete, é suporte de um simbolismo extremamente rico dentro da ordem do conhecimento.
O que reflete o espelho? A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência... De acordo com Plotino, o homem enquanto espelho reflete a beleza ou a feiúra. O importante está, acima de tudo, na qualidade do espelho, sua superfície deve estar perfeitamente polida, pura, para obter um máximo de reflexo.

“ouvindo a palavra do irmão, Helena susteve o passo, e fitou-o com um olhar digno, um desses olhares que parecem vir das estrelas, qualquer que seja a estatura da pessoa”! (HE – p. 223)
- formulação metafórica iniciada por demonstrativo estabelecendo o vínculo entre o termo A, o comparativo, e o termo B, o comparante, empregada freqüentemente por Machado.

Estrela (simbologia): o caráter celeste das estrelas faz com que elas sejam também símbolos do espírito e, particularmente, do conflito entre as forças espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a obscuridade; são faróis projetados na noite do inconsciente.

Palavra (simbologia): sejam quais forem às crenças e os dogmas, a palavra simboliza de uma maneira geral a manifestação da inteligência na linguagem, na natureza dos seres e na criação contínua do universo; ela é a verdade e a luz do ser.

Conclusão

Devendo atender as exigências de seu público, eminentemente burguês e principalmente feminino, amante das narrativas melodramáticas, Machado de Assis vai desenvolver um tema muito explorado pelos escritores românticos: a obsessão pelo amor impossível ou sacrílego, tornado proibido por leis morais e sociais, que só se resolve na renúncia total à felicidade ou na morte.

Machado, preso também às convenções sociais e às contingências dos modismos românticos, não dá uma mínima chance a Helena de sobrevivência ou felicidade. Executa-a inapelavelmente, e mais, tudo indica que a sentença já havia sido anunciada desde o primeiro capítulo, sem chances de recursos ou apelação, já que o autor era a última instância.

O autor trabalha sem contradizer as convenções do romance romântico, o discurso derramado e o moralismo da solução. Se quisesse avançar e assumir outros riscos, teria de exigir mais da heroína, forçando-a a tomar decisões que fraturassem o universo que vivia. Mas deixa de fazê-lo não só porque, como ela, pode ser considerado moralista e liberal: é que, igualmente, seu público não suportaria o confronto com uma Helena emancipada, dona do próprio destino. E como seu criador, Helena recua no momento crucial, inutilizando todas as saídas, refugiando-se no único lugar que pensou ter-lhe sobrado: o do ideal, que só pode manter se aniquilar.

Machado conclui o veredicto: pena máxima.


Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Ana M. – O Jogo dissimulado. Ed. Ática. São Paulo: 1975.

ASSIS, Machado. – Helena. Ed. Ática. São Paulo: 1975.

______________. Obra Completa. (Org. Afrânio Coutinho) Vol. I. Ed. José Aguilar. Rio de Janeiro: 1959.

CALDWELL, Helen; - Machado de Assis. Universidade da Califórnia. Ed. Berkeley: 1970.

CASTRO, Walter de, - Metáforas Machadianas. Ao livro Técnico S/A. Rio de Janeiro: 1977.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain; - Dicionário de Símbolos. José Olympio Ed. Rio de Janeiro, 2006.

MEYER, Augusto; - Machado de Assis. Ed. Presença/MEC; Rio de Janeiro: 1975.

PEREIRA, Lúcia M.; - História da Literatura Brasileira – de 1850 a 1920. José Olympio Ed. Rio de Janeiro: 1973.

SCHWARZ, Roberto; - Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. Ed. Duas Cidades. São Paulo: 1977.

ZILBERMAN,Regina; - Estética da recepção e história da literatura. Ed. Ática. São Paulo.