De um ponto de vista histórico, a literatura pode ser entendida como instrumento de intervenção social. Deslocando-nos assim para o centro de uma questão que é tão remota quanto as mais antigas reflexões acerca da condição social da literatura, Platão, no quadro da busca da verdade, concebia a atividade poética como algo que só se legitimava em função do serviço que o poeta pudesse prestar à comunidade.
Em épocas posteriores, a defesa de uma criação literária vinculada à sociedade, assume dimensões mais truncadas, do ponto de vista ideológico: durante o Realismo, colocando-se numa posição antiidealista, o escritor faz da literatura um instrumento de análise de tipos e situações carenciados de reforma; sob o signo do Positivismo e do Determinismo, o Naturalismo acentua essa análise, com propósitos explicativos de inspiração científica, propósitos que em última instância apontavam no sentido da modificação qualitativa da natureza através da literatura; e em épocas mais próximas de nós – particularmente entre os anos 30 e os anos 50 do século XX, a estética e a cultura marxistas associam as práticas literárias a intuitos de revolução social e econômica, fazendo então, da literatura um instrumento de compromisso social do escritor.
Exemplo dessa postura, no Brasil, temos o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que representa a miséria social e humana de uma família nordestina que foge à seca; assim sendo, as pungentes situações descritas e as personagens degradadas que as vivem, são facilmente entendidas como denúncia, através da literatura e de forma ideologicamente ativa, de condições de vida deprimentes.
Um dos testemunhos mais veementes em favor de uma criação literária comprometida com a sociedade encontra-se no famoso texto de Jean-Paul Sartre, “Qu’est-ce que la littérature?” Escrito e publicado numa época de vivo debate ideológico e de acentuada presença cultural marxista (a época do pós-guerra, da vigência do stalinismo e do advento da IV república francesa), o livro de Sartre defende teses e propõe comportamentos que fortemente motivaram práticas literárias empenhadas: trata-se, de um modo geral, de entender o escritos como intelectual militante, detentor de uma palavra – que é a palavra literária, por assim dizer transparente, no sentido em que torna-se capaz de traduzir e fielmente representar situações sociais que importa denunciar; por isso, Sartre afirma que “a função do escritor é proceder de modo que ninguém possa ignorar o mundo nem alhear-se dele”.
Afirmações desse tipo implica conseqüências importantes pelo menos em dois níveis: do ponto de vista ideológico, o escritor poderá assumir-se como culturalmente responsável, abarcando nessa responsabilidade o dever de intervir na sociedade em que está inserido e procurando envolver o leitor nessa intervenção; levando-se esta orientação ao extremo, poderia chegar-se ao limite de apenas se reconhecer legitimidade a uma literatura socialmente ativa, assim se tendendo a constituir um campo literário balizado por marcas estritamente socioculturais.
A doutrina sartreana de um ponto de vista funcional (que tem que ver com opções de linguagem e mais propriamente de modos e gêneros literários), o escritor comprometido adotará um discurso em prosa, como o mais adequado a uma ação que se exerce pelo “desvelamento”. Por isso, a concepção sartreana do compromisso literário estimula uma prática literária do tipo realista, num sentido genérico, que é aquela que se entende ser possível fazer da literatura um eficaz instrumento de representação do real.
Neste diapasão, qualquer idéia sobre a dimensão sociocultural da literatura deverá atentar em diversos aspectos da situação do escritor, no que toca à responsabilidade cultural que lhe cabe, aos direitos de que se reclama e aos deveres que lhe podem ser imputados, bem como a um conjunto de mecanismos (de ordem econômica, ideológica, psicológica, etc) que o configuram como entidade socialmente relevante.
Porém, no plano concreto, histórico e social da sua existência que o escritor chega a desfrutar de um certo ascendente, na comunidade em que se que encontra. Esse ascendente é tanto maior quanto mais influentes são os diversos mecanismos de promoção do escritor, o que lhe permite muitas vezes intervir em esferas da vida pública.
Convém notar, no entanto, que esse seja um fenômeno relativamente recente; ele não deve levar-nos a esquecer que, com freqüência, o escritor enfrentou e enfrenta obstáculos por vezes consideráveis, em boa parte capazes de cercear a sua capacidade expressiva, limitada por censuras de ordem moral e ideológica. Grandes escritores, em todas as épocas, insurgiram-se contra essas restrições: “Impedir adultos de pensar de uma forma madura acerca da verdade, prejudica incomparavelmente mais a sociedade do que eventualmente permitir a uma criança que pense acerca disso precocemente”, escreveu Aldous Huxley e John Steinbeck: “Um ditador pode matar e mutilar pessoas pode mergulhar em qualquer espécie de tirania e ser apenas odiado, mas quando se queimam livros, acontece uma extrema tirania”.
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