Apresento este Blog através das palavras do Prof. Dr João Francisco Duarte Jr.

“A capacidade humana de atribuir significações decorre de sua dimensão simbólica. Por intermédio dos símbolos o homem transcende a simples esfera física e biológica, tomando o mundo e a si próprio como objetos de compreensão. Pela palavra, o universo adquire um sentido, e o homem pode vir a conhecê-lo, emprestando-lhe significações. Portanto, na raiz de todo conhecimento subjazem a palavra e os demais processos simbólicos empregados pelo homem.


“A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente”, afirmam Postman e Weingartner. É preciso que se compreenda o processo lingüístico para que se entenda o que significa conhecer. Não há conhecimentos sem símbolos. O esforço humano para compreender é o esforço para encontrar símbolos que representem e signifiquem o objeto conhecido. A consciência e a razão humanas nascem com a linguagem e só se dão através dela”.


João Francisco Duarte Jr.



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domingo, 16 de maio de 2010

O Romantismo Brasileiro



“Muitas Lâmpadas, pouco brilho”...

“Na história espiritual das nações cultas – escrevia em 1876 Silvio Romero – cada fenômeno de hoje é um último elo de uma cadeia. Na história intelectual do Brasil, mercado de consumo da produção européia, a leitura de um escritor estrangeiro, a predileção por um livro de fora, vem decidir da natureza das opiniões entre nós. As idéias no Brasil não descendem uma das outras, não as liga um liame histórico. As idéias são consideradas como absolutas e os seus valores se colocam, todos, num mesmo plano. São folhas perdidas no torvelinho da nossa indiferença; a pouca ou nenhuma influência que hão exercido sobre o pensamento nacional explica essa anomalia”.

Cassiano Nunes, ensaísta literário, em estudo importante sobre o romance brasileiro, diria:

“Verdade, porém, é que à liberdade política não se seguiu a nossa liberdade de pensamento; intelectualmente, continuamos tão coloniais como dantes, e coloniais não só de Portugal, mas da França”. “O Romantismo no romance brasileiro sofreu de tal forma a influência estrangeiro que nunca chegou a marcar um período notável na história da nossa literatura. Falta neles a evidencia do homem e do meio que o circunscreve; são todos de uma bem pobre ficção e um lirismo sem jeito. Salvo num ou noutro autor em que a força da imaginação consegue dominar a ideologia sentimental (ideologia de Joaquim Manuel de Macedo), a ilusão da idéia pelo sentimento”. (NUNES, 1926)

Mas isso não aconteceu apenas na ficção, foi até mais acentuado na poesia, e em particular naqueles autores que uma repartição cronológica sem nenhum sentido de conteúdo agrupou na “primeira geração romântica”.

O manifesto romântico chegou-nos de Paris, que no-lo remeteu como um figurino ou frasco de perfume. Enviou-nos de lá esse produto de tantas conseqüências futuras um diplomata que se fincou em nossa literatura com um mau livro, mas com a etiqueta de predecessor. Esqueceu-se o livro, mas o nome do autor ficou. O grito de renovação, de morte do classicismo, o elogio aos desvarios sentimentais, foram dados, assim, em nosso país, por um senhor fidalgo austero e medíocre. Domingos Gonçalves de Magalhães – era esse o seu nome – escreveu muitas poesias religiosas que não levam ninguém à igreja. Manuel de Araújo Pôrto Alegre, seu amigo e continuador, não o sobrepujou poeticamente. Embora defendessem o romantismo, Gonçalves de Magalhães e Araújo Pôrto Alegre não passaram de clássicos fatigantes. (NUNES, 1926, s/p)

Cabe aqui a responsabilidade de inserir a visão de José Veríssimo, mais ameno em suas críticas:

Somente com os primeiros românticos, entre 1836 e 1846, a poesia brasileira, retomando a trilha logo apagada da plêiade mineira, entre já a cantar com inspiração feita dum consciente espírito nacional. Desde então somente é possível descobrir traços diferenciais nas letras brasileiras. (VERÍSSIMO, 1936)

O romantismo se configura em símbolo e forma de patriotismo.

Além de patriótica, ostensivamente patriótica, a primeira geração romântica e religiosa e moralizante. Estas feições fazem que seja triste, como, aliás, será a segunda. Somente a tristeza desta é a do ceticismo, do desalento, do fastio da vida, segundo Byron, Musset, Espronceda e quejandos mestres seus.a melancolia de Magalhães e seus parceiros é a tristeza de que penetrou a alma humana o sombrio catolicismo medieval. (VERÍSSIMO, 1936)

Conforme leciona Sodré (1969), era a tristeza dos exilados, o ceticismo dos que não acreditavam em seu país, a nostalgia de outras terras e de outros motivos – Veríssimo procura caracterizar o romantismo, aliás, como reação contra o passado, isto é, contra a dependência colonial:

Qualquer que hajam sido os seus motivos e característicos, sejam quais forem as definições que comporte, o romantismo foi sobretudo um movimento de liberdade espiritual, primeiro, se lhe remontarmos às ultimas origens, filosófica, literária e artística depois, e ainda social e política. Em arte e literatura, seu objetivo foi fazer algo diferente do passado e do existente, e até contra ambos. Excedeu o seu propósito, e em todos os ramos de atividade mental, até nas ciências, foi uma reação contra o espírito clássico, que, embora desnaturado, ainda dominava em todos. (VERÍSSIMO, 1936)

Visto o romantismo no quadro da realidade, entretanto, o que surge, à simples observação, como novo, esboçando de uma maneira clara, indiscutível, a participação do público. “Claro que do público possível”, diz Sodré, daquelas camadas da população urbana que estavam em condições de conceder atenção às letras, e que se comportavam, nisso como em tudo, de acordo com as suas origens e condições de classe, camadas que englobavam o estudante, a mulher, o pequeno funcionalismo, parte do grupo comercial. Era uma sociedade, a do Império, que concedia às manifestações literárias sobras de atenção, sobras de apreço, aquela atenção e aquele apreço próprios do lazer e do repouso, ligados estreitamente ao conceito de arte como divertimento, como evasão da rotina, como busca do sonho, como refúgio, como preenchimento do ócio.

A participação do público vai começar a se definir, entretanto, com o aparecimento da ficção romântica. “A leitura – escreveu Lavelle – nos dá uma familiaridade e até uma fraternidade com pensamentos que diferem do nosso e, amiúde, o ultrapassam: a leitura torna-se uma espécie de sociedade que formamos com outros homens por intermédio de um só. E Olívio Montenegro, estudando o romance brasileiro, confirma esse laço de participação que encontra as mais amplas possibilidades condicionadas ao meio e ao tempo, no campo da ficção.

De todas as formas de arte ainda é a literatura a de significação mais universal, e das formas de literatura ainda é o romance a que se prefere mais; a que atrai uma massa ilimitada de leitores. O que, aliás, bem se compreende: o romance é a forma de arte que o leitor participa mais intimamente, já pela sua liberdade de rever-se nas personagens, já pela liberdade ainda mais deliciosamente pura de julgá-los. (MONTENEGRO, 1949, p. 24)

Aparece, na fase em que existe um público, ainda que reduzido, para assegurar-lhe vida. Vem atender uma necessidade, uma exigência, uma solicitação natural e espontânea do meio, quando o Brasil atinge a uma etapa de desenvolvimento em que a atividade literária se torna possível quando a vida urbana estabeleceu as condições mínimas para a sua existência.

Inserimos aqui a afirmação de Nelson Werneck Sodré (1969), um rápido e mesmo superficial exame do que a literatura já conseguira realizar mostra como o esforço criador consumira quase todas as suas possibilidades na poesia. Literatura era poesia, por assim dizer. Nem se compreenderia de outra forma até o fim do século XVIII. Só como poeta conseguia alguém se realizar literalmente, no reduzido círculo dos interessados. Não só a maioria esmagadora dos trabalhos surgidos do primeiro ao terceiro século era constituída de versos, como o verso era a forma alta, a forma nobre de traduzir o sentimento literário. A prosa era plebéia e vulgar. Quando a autoridade do autor a emancipava desse plano subalterno, constituía mero veículo: servia para concretizar a crônica, genealogia, elogio acadêmico, a narrativa de viagem, trabalho político ou histórico, o discurso parlamentar, jornalismo e algumas tentativas de moralismo e filosofia.

Tal movimento vem traduzir, não só no campo literário, as alterações já pronunciadas de uma sociedade em que novos fatores surgiam e velhos fatores mudavam de sentido e de força.

Ao lado do nosso romantismo e inseparável dele existiu no Brasil todo um cortejo de formas e idéias que convém por em relevo para a boa inteligência desse movimento, mas que não pertence, em verdade, à história da literatura. Houve uma política, uma sociedade, um clero obedientes à mesma inspiração que animou aquela escola de poetas.
O romantismo correspondente, pois, a um momento histórico do Brasil que, na história de suas idéias, traduz ainda a influência francesa. (CRUZ COSTA, 1969, p. 214)

Segundo Sodré, nosso romantismo, como expressão substantiva, trata-se de processo ultrapassado; como posição diante do homem e de suas relações, sinônimo de idealismo, sendo expressão adjetiva, existirá enquanto existirem determinadas condições sociais que o motivam. Neste último sentido, e só nele, está claro persistirem na existência brasileira, traços românticos, facilmente perceptíveis, denunciando a presença de restos ainda da estrutura colonial31.
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31 Algumas datas podem auxiliar e esclarecer o advento do romantismo no Brasil. Em 1825, José Bonifácio publica as suas “Poesias”, editadas em Bordeaux (França). Em 1832, Gonçalves de Magalhães publica o volume das “Poesias”, aparecido em Paris. A vida urbana, no Brasil, já sofrera alterações e, entre elas, com repercussão no campo literário, estava a do aparecimento de uma imprensa mais estável, com órgãos de vida longa e já não mais as efêmeras folhas políticas do primeiro e do segundo decênio do século. O Diário do Rio de Janeiro (1821) e o Jornal do Comércio (1827). “Suspiros Poéticos”, de Magalhães, surge em 1936. O importante é que se desencadeia, então, uma série de acontecimentos que prenunciam a mudança literária e que vão balizando o seu desenvolvimento até o instante em que o romantismo se define, caracteriza a sua vigência.

Com Joaquim Manuel de Macedo o romantismo brasileiro conhece o romance urbano. Sendo neste momento que a ficção conquista os leitores do tempo. Segundo Sodré (1969), em Macedo, o que aparece é a rua, a casa, o namoro, o casamento, o escravo doméstico, a moça conservadora, o estudante, o homem de comércio, a matrona, a tia, o médico, o político, a pequena humanidade que vive na Corte, que se agita em seus salões, que freqüenta o teatro, que se agrupa nas repúblicas, que povoa as lojas, que lê os jornais e que discute os acontecimentos do dia. São romances do trivial, compostos com uma graça sem sutileza, tendo excessos de acomodações, com a presença fiscalizadora e condutora do autor em todos os instantes, com uma intenção definida “a priori”, dentro de critérios morais fixos, rigorosamente padronizados, com o triunfo do bem e arremates bem arrumados, ficção comedida, vulgar, feita de pequenos fatos e de pequenas criaturas, sem tipos, sem relevos, sem asperezas, montada em relações cerimoniosas, fiel à realidade, nas minúcias, descambando para o inverossímil no conjunto – romance que, sob muitos sentidos, espelha o seu público, submete-se ao seu gosto e respeita as suas convenções. Macedo teve a habilidade de movimentar-se com desembaraço nos escolhos de um oceano de convencionalismos, conseguindo, apesar de tudo, fazer um público que se compunha principalmente de mulheres e de estudantes. Refletiu os sentimentos e também a trivialidade da vida social dos meados do século, sendo seu narrador miúdo, o próprio cronista, sempre distante de qualquer perigo, fugindo as fascinações extremas, rigorosamente autopoliciado.

O romance “A Moreninha”32 o primeiro do romantismo brasileiro, garantiu a Macedo o pioneiro eirismo de fato nesse gênero literário.

O título do livro surgiu do próprio protagonista do enredo, o personagem Augusto, em homenagem à Carolina. Durante o desenrolar da história, evidenciam-se os traços da protagonista, principalmente a cor do rosto: pele morena. Em vista disto, as pessoas mais íntimas chama-na de Moreninha.

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32"A Moreninha" constituiu-se numa pequena revolução literária no Brasil imperial, inaugurando o romance brasileiro, e é até hoje é reeditado com relativo sucesso e ainda é lido com prazer. Estudiosos da obra macediana observam que a protagonista do romance, Carolina, é uma clara alusão à personalidade e ao comportamento de Maria Catarina de Abreu Sodré, sua esposa e prima-irmã do poeta Álvares de Azevedo.
O sucesso de “A Moreninha”, que ganhou várias reedições ainda em vida de seu autor, está vinculado à capacidade do enredo de amarrar o leitor numa atmosfera de lenda e de sonho do romance, aguçando a curiosidade dos leitores com pequenos enigmas, conflitos simples e uma leitura fácil e agradável. Trata-se de uma obra composta para agradar o seu público alvo, formando na maioria de mulheres e estudantes.

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