Apresento este Blog através das palavras do Prof. Dr João Francisco Duarte Jr.

“A capacidade humana de atribuir significações decorre de sua dimensão simbólica. Por intermédio dos símbolos o homem transcende a simples esfera física e biológica, tomando o mundo e a si próprio como objetos de compreensão. Pela palavra, o universo adquire um sentido, e o homem pode vir a conhecê-lo, emprestando-lhe significações. Portanto, na raiz de todo conhecimento subjazem a palavra e os demais processos simbólicos empregados pelo homem.


“A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente”, afirmam Postman e Weingartner. É preciso que se compreenda o processo lingüístico para que se entenda o que significa conhecer. Não há conhecimentos sem símbolos. O esforço humano para compreender é o esforço para encontrar símbolos que representem e signifiquem o objeto conhecido. A consciência e a razão humanas nascem com a linguagem e só se dão através dela”.


João Francisco Duarte Jr.



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segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Romance Social - Lima Barreto

O Romance Social: Lima Barreto

O que aproxima Lima Barreto de Machado de Assis são as explorações em profundidade que ambos realizaram em relação a suas personagens. Como salienta Lúcia Miguel - Pereira (1973), Lima Barreto, como Machado de Assis, fala das suas criaturas que interroga a existência.
Mas não agradava a Lima Barreto ser comparado a Machado de Assis, ao qual nada queria dever:


Não lhe negando os méritos de grande escritor, sempre achei no Machado muita secura da alma, muita falta de simpatia, falta de entusiasmos generosos, uma porção de sestros pueris. Jamais o imitei e jamais me inspirou.


A diferença entre os dois romancistas é realmente grande, mas grandes são também os pontos de contato. Ambos usaram do romance como expressão mais espontânea e legítima para traduzir a sua posição em face da vida, o que equivale dizer que o violento Barreto e o dubitativo Machado precisaram igualmente desse recurso para se realizar.
Segundo Lúcia Miguel – Pereira (1973), criadores autênticos, se não pudessem escrever ficariam como mutilados, privados do seu meio de comunicação. Para eles - e seu tempo - a literatura foi mais uma servidão do que uma graça do espírito.
O romance Lima Barreto, apesar de seu “desluxo”, de suas “insuficiências de criador”, do “abuso do traço caricatural” , como afirma Werneck Sodré (1969), apresentou uma galeria numerosa, viva, colorida. As figuras de sua ficção foram recrutada na maior parte, seja na classe média, seja entre os trabalhadores, são figuras populares, que caracterizam o aspecto urbano, em que a marca local é acentuada. É uma pequena humanidade, humilde, sentimental, obscura, que povoa os subúrbios e lhes dá fisionomia.
Na transposição dessa gente é que Lima Barreto realizou o melhor, nisso é que se sentiu à vontade. O traço caricatural volta-se contra as figurações, particularmente os da política, e deforma os perfis, pela intencionalidade e pela natureza mesma da caricatura. A personagem principal, que está no centro de tudo, em torno de que giram as criaturas e em cujo fundo se situam os problemas e as cenas, é a cidade, não apenas a cidade das casas senhoriais, das chácaras, com a sua gente artificializada, mundana, copiando formas de existência cujas originais estão fora do país, mas a cidade esquecida, suburbana, dos pequenos funcionários, dos cantadores de modinhas, dos militares retirados da ativa, povoando suas quietas, enchendo os transportes coletivos, bisbilhoteira, amante das festas movimentadas e dos ajuntamentos agitados.


Lima Barreto realizou, e nisso está precisamente o seu mérito, nisso é que domina as suas insuficiências, uma crítica social muito viva, muito profunda, mostrando, em sua ficção, as injustiças da sociedade, o que era falso nela, o que era postiço, artificial, o que a deformava. Não procedeu assim porque fosse mulato, doente, pobre e sentisse a necessidade de vingar-se das injustiças feitas ao seu talento. Procedeu assim porque compreendeu cedo, e o ângulo pessoal apenas ajudou essa compreensão, as anomalias de um conjunto em que a sociedade denunciava a sua transformação, quando repontavam visíveis sinais de uma mudança. Sentiu a presença do que era novo, com a sua operada e aguda percepção, antes que os outros sentissem.
(Werneck Sodré, p. 1969, p.506).


Nos romances de Lima Barreto há sem dúvida, muito de crônica: ambientes, cenas quotidianas, tipos de café, de jornal, da vida burocrática, às vezes só mencionadas ou mal esboçados, naquela linguagem fluente e desambiciosa que se sói atribui ao gênero. O tributo que o romancista pagou ao jornalista (aliás, ao bom jornalista), foi considerável: mas a prosa de ficção, em maré de academismo, só veio a lucrar com essa descida de tom, que permitiu à realidade entrar sem máscara no texto literário.
Em Recordações ao Escrivão Isaías Caminha, há uma nota autobiográfica ilhada e desesperada nos primeiros capítulos; mas tende a diluir-se á medida que o romance progride, objetivando-se e abraçando descrições de tipos vários: o político, o jornalista, o burocrata carioca.
Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalista, no fanatismo xenófolo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados.
Numa e Ninfa, sátira política, tende à caricatura. O deputado Numa Pompílio de Castro, fina flor da burguesia dominante, jovem bacharel que sobe graças à sua diplomacia, no fundo cínica e capaz de sacrificar a honra pelo gozo dos privilégios. É notável nessa obra a caracterização de alguns tipos secundários, entre os quais o mulato Lucrécio Barba-de-Bode, cabo eleitoral, e o Doutor Bogóloff, imigrante russo, que serve ao romancista para apresentar sob novo prisma as mazelas da vida brasileira.
Ainda que em outra roupagem, mazelas que reaparecem em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Pintura animada e crônica mordente da sociedade carioca, esse livro constitui, com o seu visível desalinhavo, a mais carioca síntese de documentário e ideologia que conheceu o romance brasileiro antes do Modernismo.
O drama da pobreza e do preconceito racial constitui também o núcleo de Clara dos Anjos, romance inacabado, vindo à luz postumamente, mas cuja primeira redação remonta a 1904 a 1905. A proximidade da composição e do tema está a definir a necessidade de expressão autobiográfica em que penava o jovem Lima Barreto. Suas humilhações são encarnadas por Clara dos Anjos, moça pobre de subúrbio, seduzida e desprezada por um rapaz de extração burguesa.
Outro livro inacabado, Cemitério dos Vivos, memórias e reflexões em torno da vida num manicômio que o autor observou “in loco”, quando internado, por duas vezes, por motivos de alcoolismo, no Hospício Nacional.
Com os Bruzundangos Lima Barreto faz obra satírica por excelência. Escrita nos últimos anos de sua vida, a obra traz forte empenho ideológico e mostra o quanto o autor podia e sabia transcender as próprias frustrações e se encaminhar para uma crítica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasileira do seu tempo.
A guerra de 1914 e a revolução russa, que sobrevieram durante o seu período de atividade, embora não figurem nos seus livros de ficção, influíram fortemente, pelos problemas que suscitaram, no seu espírito. Ainda quando não diretamente abordadas, as idéias dominantes de uma época refletem sempre nos escritores que, como lima Barreto, só reagem violentamente contra o que o cerca porque a tudo se sentem indissoluvelmente ligados.
Lima Barreto foi bem um homem do seu tempo e da sua terra.

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