É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.
Enquanto houver estrada pra andar, a gente vai continuar enquanto houver estrada pra andar, enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar' REFLETIR E TRANSFORMAR...SEMPRE! [Jorge Palma]
Apresento este Blog através das palavras do Prof. Dr João Francisco Duarte Jr.
“A capacidade humana de atribuir significações decorre de sua dimensão simbólica. Por intermédio dos símbolos o homem transcende a simples esfera física e biológica, tomando o mundo e a si próprio como objetos de compreensão. Pela palavra, o universo adquire um sentido, e o homem pode vir a conhecê-lo, emprestando-lhe significações. Portanto, na raiz de todo conhecimento subjazem a palavra e os demais processos simbólicos empregados pelo homem.
“A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente”, afirmam Postman e Weingartner. É preciso que se compreenda o processo lingüístico para que se entenda o que significa conhecer. Não há conhecimentos sem símbolos. O esforço humano para compreender é o esforço para encontrar símbolos que representem e signifiquem o objeto conhecido. A consciência e a razão humanas nascem com a linguagem e só se dão através dela”.
João Francisco Duarte Jr.
“A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente”, afirmam Postman e Weingartner. É preciso que se compreenda o processo lingüístico para que se entenda o que significa conhecer. Não há conhecimentos sem símbolos. O esforço humano para compreender é o esforço para encontrar símbolos que representem e signifiquem o objeto conhecido. A consciência e a razão humanas nascem com a linguagem e só se dão através dela”.
João Francisco Duarte Jr.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Estudo do romance Helena - Uma leitura de Machado de Assis
I - OBJETIVOS
No ensejo de que o ano de 2008 foi marcado pelo centenário da morte de Machado de Assis, conjecturou-se sobre o estudo de um de seus romances.
A escolha recaiu em “Helena” por dois motivos: primeiramente porque o autor sentia uma confessada preferência por ele, segundo, foi com este romance que Machado firmou-se como escritor respeitado e requisitado pelo público e pela mídia.
Poder-se-ia, ainda ressaltar, que “Helena” foi o principal trabalho de Machado de Assis da fase romântica de sua obra e um dos mais populares até nossos dias.
Outro objetivo deste estudo é sopesar no romance a presença do conflito, da incerteza e sofrimento sentimentais, problemas éticos e existenciais, o amor paternal e filial, que até a sua publicação no ano de 1876, inexistia na literatura brasileira.
II- METODOLOGIA
De princípio, após a leitura e releitura do romance “Helena”, foram anotados vários trechos que selecionei por sua importância no enredo, principalmente aqueles que continham metáforas e que se prestavam a uma interpretação semiológica.
A seguir, procedeu-se a leitura de alguns críticos literários, entre eles Lúcia Miguel Pereira, Nelson Werneck Sodré, Augusto Meyer, Regina Zilberman, H. Pereira da Silva, Ana Maria de Almeida etc.
Dos trechos escolhidos, algumas palavras foram separadas e, consultado o Dicionário de Símbolos, consultou aquelas que, de uma certa forma, faziam algum sentido na construção da frase em relação ao enredo do romance.
Consultou-se a mitologia com respeito ao mito de Helena de Tróia.
A história e o ambiente social da época são citados “en passant”, assim como o público alvo de Machado de Assis.
III - DESENVOLVIMENTO
3.1 O Romance “Helena”
Nos 28 capítulos do romance, o enredo transcorre de forma linear, ou seja, em linha reta, sem tropeços ou idas e voltas. Uma morte no início, uma morte no final.
Morre o Conselheiro Vale, procede-se a abertura de seu testamento, toma-se conhecimento da existência de Helena, concluindo o romance com a morte desta.
Entre o início e o fim, transcorrem os dez meses vividos por Helena no Andaraí, em companhia do irmão, Estácio, da tia Dona Úrsula, e dos amigos que os visitam regularmente, sendo mais íntimos o Dr Camargo e família Mendonça, por um tempo noivo da heroína, e o Padre Melchior, o conselheiro religioso e sentimental da maioria das pessoas.
Apesar de uma aparente amenidade, o desenvolvimento do enredo não se dá sem conflitos e percebe no seu desenrolar uma série de dificuldades. O primeiro problema, tornado conhecido na abertura do testamento do Conselheiro Vale, refere-se ao anúncio da existência de uma filha ilegítima, assunto comentado por Camargo, sua chegada a Andaraí e conquista da família: o irmão a aceita antes de conhecê-la, porém D. Úrsula resiste por mais tempo.
O segundo grupo de conflitos é mais complexo: Camargo percebe a crescente influência de Helena no seio familiar, sobretudo sobre o irmão, e a possibilidade de que ela venha atrapalhar seus planos relativos ao casamento de Estácio com Eugênia. Ao mesmo tempo, Helena, que aparentemente deveria sentir-se bem no novo lar, confessa ao irmão ser “uma pobre alma lançada num turbilhão”(1). O rapaz vai protelando o pedido de casamento e parece preferir estar em casa, entre seus papéis e parentes, embora não pareça haver qualquer motivo para o adiamento, ainda mais que Estácio e Eugênia se amam desde crianças e desde então prometidos um ao outro.
____________
(1) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática 1975, p. 39.
Camargo está impaciente com a indecisão do rapaz e resolve intervir, e de forma malévola, ameaçando Helena de tornar público seus passeios matutinos, se ela não auxiliar de forma direta em fazer com que Estácio se resolva a pedir Eugênia.
Por outro lado, Padre Melchior, armado de boas intenções, conclui que a atitude de Estácio não é adequada e aconselha Helena a se casar com Mendonça, que a esse tempo já não escondia seus sentimentos pela moça.
Para melchior, que já nutria alguma desconfiança, o duplo casamento parece uma boa saída para um dilema que se desenhava a olhos vistos, ocasionados por sentimentos clandestinos e condenados pela sociedade.
A verdade se torna clara, quando Estácio recebe carta de Mendonça, revelando a união já programada entre ele e sua irmã. Estácio cai em si e se desespera. Para esse problema, o do amor do jovem pela protagonista, não há solução possível que satisfaça a moral e bons costumes.
A resolução do impasse vem por meio de Salvador: este revelar a verdade sobre a filiação de Helena, os acontecimentos que culminaram com a adoção de sua filha pelo conselheiro, desaparecendo a seguir.
Helena, mergulhada em seus problemas individuais, sua origem ilegítima, sua situação inautêntica no novo lar, impossibilidade de realizar-se na vida sentimental e, devido a tudo isso, não poder ser feliz, não resiste o fato da revelação e o desaparecimento de Salvador, ela escolhe sua própria aniquilação.
A ação do romance, com a morte de Helena, é reconduzida ao seu início: não apenas porque o enredo começa e termina com uma morte, mas também porque com o seu desaparecimento, tudo retorna à situação anterior à abertura do testamento do Conselheiro Vale. Estácio é de novo filho único, está na posse integral de sua fortuna (divisão muito lamentada por Dr. Camargo) e pode casar com a prometida da infância, a bela e fúvola Eugênia.
Tudo está mudado após a passagem de Helena, mas, ainda assim, há o retorno ao início, não só porque se recupera a situação por onde a narrativa começou; também porque esta induz ao retrospecto, o leitor sendo levado a rever a trajetória ficcional na busca das pistas e situações que provocaram o fim lastimável da heroína.
3.2 A releitura da estratégia do autor
“Helena” foi publicada originalmente sob a forma de folhetim no jornal “O Globo”, saindo com regularidade entre agosto e novembro de 1876, e só depois, mas no mesmo ano, sendo editada em livro, pela Garnier.
O texto motiva o retrospecto, obrigando o leitor a interpretar os acontecimentos. Não basta acompanhar a linearidade cronológica com que os eventos são apresentados: enigmas são plantados durante esse percurso e precisam ser reexaminados, a fim de se alcançarem o sentido e a coerência do relato. (ZILBERMAN, 1989, p.76)
Machado de Assis, provavelmente já havia programado o texto desde o início pára a sua publicação, visto que quando começou a lançá-lo em capítulos pelo “O Globo”, já tinha contrato assinado com a editora Garnier.
Segundo Regina Zilberman (1989), a narrativa parece apresentar um esquema definido e organizado desde a página de abertura. A ação não avança desconsiderando o que foi apresentado antes; pelo contrário, as pistas dispostas durante o percurso são retomadas e explicadas, deixando em aberto apenas pequenos detalhes. Machado de Assis redigiu a intriga com planejamento e determinação, não deixando ao sabor das circunstâncias a sorte de seus protagonistas. Traçou antes o destino deles, não se deixando comover com a retórica sentimental com que ele mesmo os caracteriza.
Para despertar o interesse do leitor, Machado espalhou ao longo do enredo vários enigmas, colocados em momentos estratégicos. Exemplo disso é a confissão de Helena, que diz ter a alma num turbilhão e ativa a curiosidade de Estácio numa cena que se possa logo após o passeio a cavalo feito pelos dois, quando tudo parecia transcorrer na normalidade, com a jovem subindo de cotação no conceito da família, na casa e no círculo de relações dos Vale. Entretanto, de outra feita, plantou-se o mistério; a curiosidade? O ciúme?
No dia seguinte de manhã, informado de que a tia dormia sossegadamente, Estácio abriu uma das janelas do quarto e relanceou os olhos pela chácara. A alguns passos de distância, entre duas laranjeiras, viu Helena a ler atentamente um papel. Era uma carta, longa de todas as suas quatro laudas escritas. Seria alguma mensagem amorosa?Esta idéia molestou-o muito. (ASSIS, 1975, p. 46)
A malévola alusão de Camargo aos passeios de Helena, é outra dessas iscas lançadas para chamar a atenção do leitor e incitá-lo a prosseguir a leitura, num ponto em que tudo parecia calmo, com o narrador sem ter muito mais a contar. Entretanto, as ações se entrecruzam, visto que, em outra passagem, Estácio ao pedir à irmã que não saísse a passeio sem sua companhia, esta lhe responde que talvez não o possa obedecer, pois este nem sempre poderá acompanhá-la. (2)
São todos pontos da narrativa que estimulam o retrospecto. A introdução da casa de bandeira azul mostra isso: ela aparece quando do primeiro passeio de Helena, ainda na companhia de Estácio. A chegada ao local parece casual, revelando a moça na ocasião ser boa cavaleira, quando, na véspera, tenha pedido ao irmão para ensinar-lhe equitação. Aparenta também ser bem segundas intenções o desenho da mesma casa, entregue a Estácio no dia de seu aniversário.
Pelo retrospecto, verifica-se ser falsa a casualidade: Helena planejara visitar Salvador, e a bandeira azul era o sinal combinado entre os dois. Este tipo de revisão, portanto, não se faz necessário apenas para compreender ao acontecimento; ele leva a encará-los de maneira diversa, de que resulta uma modalidade de desenvolvimento. (ZILBERMAN, 1989, p. 77)
Outra forma de ativar a curiosidade, e também a imaginação, é deixar uma ação em suspenso. Após o colóquio em Camargo, na festa de aniversário de Estácio, Helena pretende escrever uma carta. Para a família? Para o pai? Machado não esclarece. O leitor faz conjecturas...
Visto por outro ângulo, o retrospecto é, por si mesmo, contraditório: indesejado pelo protagonista, moça de caráter confessadamente irrepreensível e foco da simpatia da obra, é induzido pelo narrador, que, com cuidado, dissemina mistérios pela intriga, simultaneamente sugerindo que se volte a eles para melhor entender a ação apresentada. Estabelece-se o atrito entre a personagem e o enredo, colocando-se no meio o alvo tão evitado e, ao final concretizado: o desmascaramento. (ZILBERMAN, 1989)
Pérola (simbologia): na Europa medieval, a pérola era utilizada na medicina para tratar a melancolia, a epilepsia (Machado era epilético), a demência, etc.
Na literatura persa, designa-se com o nome de pérola um pensamento refinado, tanto em função de sua beleza quanto do fato de que ele é produto do gênio criador do autor.
“O céu não ficou logo claro; mas o vento amainou, e era de esperar que o sol se desfizesse enfim do seu capote de nuvens” (HE – p. 202)
- As imagens do capote e do manto aplicam-se às nuvens e ao nevoeiro, num trecho todo metafórico, pois que a tempestade nada mais é que arrufo de namorados.
Nuvem (simbologia): na mitologia grega, Helena, por que Paris se apaixonou e por quem se lutou a guerra de Tróia, não era senão um fantasma de nuvens, devido à magia de Proteu.
“Esse estado não durou muito; dez minutos depois de deixar a casa de Camargo, sentiu alguma cousa semelhante a dentada de um remorso”. (HE – p. 202)
- um sentimento qualquer aparece freqüentemente sob a imagem de uma dentada.
Dentada (simbologia): a marca dos dentes na carne é como o sinal gravado de algo espiritual: intenção, amor, paixão. É o selo que indica uma vontade de possessão.
“A vergonha flamejava no rosto; Helena voltou as costas ao irmão e afastou-se rapidamente”. (HE – pp. 221/222)
- o rosto com força de espelho.
Rosto (simbologia): o rosto é o símbolo do que há de divino no homem, um divino apagado ou manifesto perdido ou reencontrado. O rosto, símbolo do mistério, é como uma porta para o invisível, cuja chave se perdeu.
“Ele contemplava a moça, com o olhar fixo e metálico dos gatos; (...)”. (HE – p. 231)
- o olhar do tipo felino é freqüente, assumindo vários tipos de sugestão e interpretação.
Gato (simbologia): o simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal.
“Vimo-lo apresentar a Estácio a maçã política; (...)” (HE – p. 237)
- a tentação política aparece figurada na maçã.
Maçã (simbologia): A maçã é simbolicamente utilizada em diversos sentidos aparentemente distintos, mas que mais ou menos se aproximam: é o caso do pomo da Discórdia, atribuído pelo herói Paris, raptor de Helena; dos pomos de ouro do Jardim das Hespérides, que são frutos da imortalidade; da maçã consumida por Adão e Eva (símbolo de pecado e desobediência); da maçã do Cântico dos Cânticos que representa a fecundidade do Verbo divino, seu sabor e seu odor.
Trata-se, portanto, em todas as circunstâncias, de um meio de conhecimento, mas que ora é o fruto da Árvore da Vida, ora o da Árvore do Conhecimento do bem e do mal: conhecimentos unificador, que confere a imortalidade, ou conhecimentos desagregador, que provoca a queda.
“Chorou muito; chorou todas as lágrimas poupadas durante aqueles meses plácidos e felizes, leite da alma com que fez calar a pouco e pouco os vagidos de sua dor”. (HE – p. 231)
- neste exemplo, o autor reforça a imagem das lágrimas como leite, que, assim como faz a uma criança calar os seus gemidos e aquietar-se, acalma e cala a dor da alma.
Leite (simbologia): primeira bebida e primeiro alimento, no qual todos os outros existem em estado potencial, o leite é naturalmente o símbolo da abundância, da fertilidade e também do conhecimento; e enfim, como caminho da iniciação, símbolo da imortalidade. O leite possui também virtudes curativas contra veneno.
“Estou velho, minha filha; estes cabelos brancos são já a neve desse mar polar para onde navegamos todos”. (HE – p. 245)
- a velhice se associa à idéia figurada de “inverno da vida”, a que se liga, naturalmente, a idéia de “neve” e de “mar polar”. O “branco” dos cabelos é o sinal visível da associação.
Branco (simbologia): é uma cor de passagem, no sentido a que nos sugerimos ao falar dos ritos de passagem: e é justamente a cor privilegiada desses ritos, através dos quais se operam as mutações do ser, segundo o esquema clássico de toda iniciação: morte e renascimento. Por isso, o branco é primitivamente a cor da morte e do luto.
Mar (simbologia): águas em movimento, o mar simboliza um estado transitório entre as possibilidades ainda informes, uma situação de ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão, e que pode se concluir bem ou mal.
Velhice (simbologia): se a velhice é um sinal de sabedoria e de virtude, se a China desde sempre honrou os velhos, é que se trata de uma prefiguração de longevidade, um longo acúmulo de experiência e de reflexão, que é apenas uma imagem imperfeita da imortalidade. Assim, a tradição conta que Lao-Tsé nasceu de cabelos brancos, com o aspecto de um velho e que daí vem o seu nome, que significa Velho Mestre.
“Os olhos fitos nele, eram como um espelho polido e frio (...)”. (HE – p. 271)
- metáfora por comparação, significando uma censura grave.
Olho (simbologia): o olho, órgão da percepção visual, é, de modo natural e quase universal, o símbolo da percepção intelectual.
Espelho (simbologia): o espelho, enquanto superfície que reflete, é suporte de um simbolismo extremamente rico dentro da ordem do conhecimento.
O que reflete o espelho? A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência... De acordo com Plotino, o homem enquanto espelho reflete a beleza ou a feiúra. O importante está, acima de tudo, na qualidade do espelho, sua superfície deve estar perfeitamente polida, pura, para obter um máximo de reflexo.
“ouvindo a palavra do irmão, Helena susteve o passo, e fitou-o com um olhar digno, um desses olhares que parecem vir das estrelas, qualquer que seja a estatura da pessoa”! (HE – p. 223)
- formulação metafórica iniciada por demonstrativo estabelecendo o vínculo entre o termo A, o comparativo, e o termo B, o comparante, empregada freqüentemente por Machado.
Estrela (simbologia): o caráter celeste das estrelas faz com que elas sejam também símbolos do espírito e, particularmente, do conflito entre as forças espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a obscuridade; são faróis projetados na noite do inconsciente.
Palavra (simbologia): sejam quais forem às crenças e os dogmas, a palavra simboliza de uma maneira geral a manifestação da inteligência na linguagem, na natureza dos seres e na criação contínua do universo; ela é a verdade e a luz do ser.
Conclusão
Devendo atender as exigências de seu público, eminentemente burguês e principalmente feminino, amante das narrativas melodramáticas, Machado de Assis vai desenvolver um tema muito explorado pelos escritores românticos: a obsessão pelo amor impossível ou sacrílego, tornado proibido por leis morais e sociais, que só se resolve na renúncia total à felicidade ou na morte.
Machado, preso também às convenções sociais e às contingências dos modismos românticos, não dá uma mínima chance a Helena de sobrevivência ou felicidade. Executa-a inapelavelmente, e mais, tudo indica que a sentença já havia sido anunciada desde o primeiro capítulo, sem chances de recursos ou apelação, já que o autor era a última instância.
O autor trabalha sem contradizer as convenções do romance romântico, o discurso derramado e o moralismo da solução. Se quisesse avançar e assumir outros riscos, teria de exigir mais da heroína, forçando-a a tomar decisões que fraturassem o universo que vivia. Mas deixa de fazê-lo não só porque, como ela, pode ser considerado moralista e liberal: é que, igualmente, seu público não suportaria o confronto com uma Helena emancipada, dona do próprio destino. E como seu criador, Helena recua no momento crucial, inutilizando todas as saídas, refugiando-se no único lugar que pensou ter-lhe sobrado: o do ideal, que só pode manter se aniquilar.
Machado conclui o veredicto: pena máxima.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Ana M. – O Jogo dissimulado. Ed. Ática. São Paulo: 1975.
ASSIS, Machado. – Helena. Ed. Ática. São Paulo: 1975.
______________. Obra Completa. (Org. Afrânio Coutinho) Vol. I. Ed. José Aguilar. Rio de Janeiro: 1959.
CALDWELL, Helen; - Machado de Assis. Universidade da Califórnia. Ed. Berkeley: 1970.
CASTRO, Walter de, - Metáforas Machadianas. Ao livro Técnico S/A. Rio de Janeiro: 1977.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain; - Dicionário de Símbolos. José Olympio Ed. Rio de Janeiro, 2006.
MEYER, Augusto; - Machado de Assis. Ed. Presença/MEC; Rio de Janeiro: 1975.
PEREIRA, Lúcia M.; - História da Literatura Brasileira – de 1850 a 1920. José Olympio Ed. Rio de Janeiro: 1973.
SCHWARZ, Roberto; - Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. Ed. Duas Cidades. São Paulo: 1977.
ZILBERMAN,Regina; - Estética da recepção e história da literatura. Ed. Ática. São Paulo.
No ensejo de que o ano de 2008 foi marcado pelo centenário da morte de Machado de Assis, conjecturou-se sobre o estudo de um de seus romances.
A escolha recaiu em “Helena” por dois motivos: primeiramente porque o autor sentia uma confessada preferência por ele, segundo, foi com este romance que Machado firmou-se como escritor respeitado e requisitado pelo público e pela mídia.
Poder-se-ia, ainda ressaltar, que “Helena” foi o principal trabalho de Machado de Assis da fase romântica de sua obra e um dos mais populares até nossos dias.
Outro objetivo deste estudo é sopesar no romance a presença do conflito, da incerteza e sofrimento sentimentais, problemas éticos e existenciais, o amor paternal e filial, que até a sua publicação no ano de 1876, inexistia na literatura brasileira.
II- METODOLOGIA
De princípio, após a leitura e releitura do romance “Helena”, foram anotados vários trechos que selecionei por sua importância no enredo, principalmente aqueles que continham metáforas e que se prestavam a uma interpretação semiológica.
A seguir, procedeu-se a leitura de alguns críticos literários, entre eles Lúcia Miguel Pereira, Nelson Werneck Sodré, Augusto Meyer, Regina Zilberman, H. Pereira da Silva, Ana Maria de Almeida etc.
Dos trechos escolhidos, algumas palavras foram separadas e, consultado o Dicionário de Símbolos, consultou aquelas que, de uma certa forma, faziam algum sentido na construção da frase em relação ao enredo do romance.
Consultou-se a mitologia com respeito ao mito de Helena de Tróia.
A história e o ambiente social da época são citados “en passant”, assim como o público alvo de Machado de Assis.
III - DESENVOLVIMENTO
3.1 O Romance “Helena”
Nos 28 capítulos do romance, o enredo transcorre de forma linear, ou seja, em linha reta, sem tropeços ou idas e voltas. Uma morte no início, uma morte no final.
Morre o Conselheiro Vale, procede-se a abertura de seu testamento, toma-se conhecimento da existência de Helena, concluindo o romance com a morte desta.
Entre o início e o fim, transcorrem os dez meses vividos por Helena no Andaraí, em companhia do irmão, Estácio, da tia Dona Úrsula, e dos amigos que os visitam regularmente, sendo mais íntimos o Dr Camargo e família Mendonça, por um tempo noivo da heroína, e o Padre Melchior, o conselheiro religioso e sentimental da maioria das pessoas.
Apesar de uma aparente amenidade, o desenvolvimento do enredo não se dá sem conflitos e percebe no seu desenrolar uma série de dificuldades. O primeiro problema, tornado conhecido na abertura do testamento do Conselheiro Vale, refere-se ao anúncio da existência de uma filha ilegítima, assunto comentado por Camargo, sua chegada a Andaraí e conquista da família: o irmão a aceita antes de conhecê-la, porém D. Úrsula resiste por mais tempo.
O segundo grupo de conflitos é mais complexo: Camargo percebe a crescente influência de Helena no seio familiar, sobretudo sobre o irmão, e a possibilidade de que ela venha atrapalhar seus planos relativos ao casamento de Estácio com Eugênia. Ao mesmo tempo, Helena, que aparentemente deveria sentir-se bem no novo lar, confessa ao irmão ser “uma pobre alma lançada num turbilhão”(1). O rapaz vai protelando o pedido de casamento e parece preferir estar em casa, entre seus papéis e parentes, embora não pareça haver qualquer motivo para o adiamento, ainda mais que Estácio e Eugênia se amam desde crianças e desde então prometidos um ao outro.
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(1) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática 1975, p. 39.
Camargo está impaciente com a indecisão do rapaz e resolve intervir, e de forma malévola, ameaçando Helena de tornar público seus passeios matutinos, se ela não auxiliar de forma direta em fazer com que Estácio se resolva a pedir Eugênia.
Por outro lado, Padre Melchior, armado de boas intenções, conclui que a atitude de Estácio não é adequada e aconselha Helena a se casar com Mendonça, que a esse tempo já não escondia seus sentimentos pela moça.
Para melchior, que já nutria alguma desconfiança, o duplo casamento parece uma boa saída para um dilema que se desenhava a olhos vistos, ocasionados por sentimentos clandestinos e condenados pela sociedade.
A verdade se torna clara, quando Estácio recebe carta de Mendonça, revelando a união já programada entre ele e sua irmã. Estácio cai em si e se desespera. Para esse problema, o do amor do jovem pela protagonista, não há solução possível que satisfaça a moral e bons costumes.
A resolução do impasse vem por meio de Salvador: este revelar a verdade sobre a filiação de Helena, os acontecimentos que culminaram com a adoção de sua filha pelo conselheiro, desaparecendo a seguir.
Helena, mergulhada em seus problemas individuais, sua origem ilegítima, sua situação inautêntica no novo lar, impossibilidade de realizar-se na vida sentimental e, devido a tudo isso, não poder ser feliz, não resiste o fato da revelação e o desaparecimento de Salvador, ela escolhe sua própria aniquilação.
A ação do romance, com a morte de Helena, é reconduzida ao seu início: não apenas porque o enredo começa e termina com uma morte, mas também porque com o seu desaparecimento, tudo retorna à situação anterior à abertura do testamento do Conselheiro Vale. Estácio é de novo filho único, está na posse integral de sua fortuna (divisão muito lamentada por Dr. Camargo) e pode casar com a prometida da infância, a bela e fúvola Eugênia.
Tudo está mudado após a passagem de Helena, mas, ainda assim, há o retorno ao início, não só porque se recupera a situação por onde a narrativa começou; também porque esta induz ao retrospecto, o leitor sendo levado a rever a trajetória ficcional na busca das pistas e situações que provocaram o fim lastimável da heroína.
3.2 A releitura da estratégia do autor
“Helena” foi publicada originalmente sob a forma de folhetim no jornal “O Globo”, saindo com regularidade entre agosto e novembro de 1876, e só depois, mas no mesmo ano, sendo editada em livro, pela Garnier.
O texto motiva o retrospecto, obrigando o leitor a interpretar os acontecimentos. Não basta acompanhar a linearidade cronológica com que os eventos são apresentados: enigmas são plantados durante esse percurso e precisam ser reexaminados, a fim de se alcançarem o sentido e a coerência do relato. (ZILBERMAN, 1989, p.76)
Machado de Assis, provavelmente já havia programado o texto desde o início pára a sua publicação, visto que quando começou a lançá-lo em capítulos pelo “O Globo”, já tinha contrato assinado com a editora Garnier.
Segundo Regina Zilberman (1989), a narrativa parece apresentar um esquema definido e organizado desde a página de abertura. A ação não avança desconsiderando o que foi apresentado antes; pelo contrário, as pistas dispostas durante o percurso são retomadas e explicadas, deixando em aberto apenas pequenos detalhes. Machado de Assis redigiu a intriga com planejamento e determinação, não deixando ao sabor das circunstâncias a sorte de seus protagonistas. Traçou antes o destino deles, não se deixando comover com a retórica sentimental com que ele mesmo os caracteriza.
Para despertar o interesse do leitor, Machado espalhou ao longo do enredo vários enigmas, colocados em momentos estratégicos. Exemplo disso é a confissão de Helena, que diz ter a alma num turbilhão e ativa a curiosidade de Estácio numa cena que se possa logo após o passeio a cavalo feito pelos dois, quando tudo parecia transcorrer na normalidade, com a jovem subindo de cotação no conceito da família, na casa e no círculo de relações dos Vale. Entretanto, de outra feita, plantou-se o mistério; a curiosidade? O ciúme?
No dia seguinte de manhã, informado de que a tia dormia sossegadamente, Estácio abriu uma das janelas do quarto e relanceou os olhos pela chácara. A alguns passos de distância, entre duas laranjeiras, viu Helena a ler atentamente um papel. Era uma carta, longa de todas as suas quatro laudas escritas. Seria alguma mensagem amorosa?Esta idéia molestou-o muito. (ASSIS, 1975, p. 46)
A malévola alusão de Camargo aos passeios de Helena, é outra dessas iscas lançadas para chamar a atenção do leitor e incitá-lo a prosseguir a leitura, num ponto em que tudo parecia calmo, com o narrador sem ter muito mais a contar. Entretanto, as ações se entrecruzam, visto que, em outra passagem, Estácio ao pedir à irmã que não saísse a passeio sem sua companhia, esta lhe responde que talvez não o possa obedecer, pois este nem sempre poderá acompanhá-la. (2)
São todos pontos da narrativa que estimulam o retrospecto. A introdução da casa de bandeira azul mostra isso: ela aparece quando do primeiro passeio de Helena, ainda na companhia de Estácio. A chegada ao local parece casual, revelando a moça na ocasião ser boa cavaleira, quando, na véspera, tenha pedido ao irmão para ensinar-lhe equitação. Aparenta também ser bem segundas intenções o desenho da mesma casa, entregue a Estácio no dia de seu aniversário.
Pelo retrospecto, verifica-se ser falsa a casualidade: Helena planejara visitar Salvador, e a bandeira azul era o sinal combinado entre os dois. Este tipo de revisão, portanto, não se faz necessário apenas para compreender ao acontecimento; ele leva a encará-los de maneira diversa, de que resulta uma modalidade de desenvolvimento. (ZILBERMAN, 1989, p. 77)
Outra forma de ativar a curiosidade, e também a imaginação, é deixar uma ação em suspenso. Após o colóquio em Camargo, na festa de aniversário de Estácio, Helena pretende escrever uma carta. Para a família? Para o pai? Machado não esclarece. O leitor faz conjecturas...
Visto por outro ângulo, o retrospecto é, por si mesmo, contraditório: indesejado pelo protagonista, moça de caráter confessadamente irrepreensível e foco da simpatia da obra, é induzido pelo narrador, que, com cuidado, dissemina mistérios pela intriga, simultaneamente sugerindo que se volte a eles para melhor entender a ação apresentada. Estabelece-se o atrito entre a personagem e o enredo, colocando-se no meio o alvo tão evitado e, ao final concretizado: o desmascaramento. (ZILBERMAN, 1989)
______________
(2) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática: 1975, p. 53
Embora alegue inocência, Helena teme o desmascaramento acima de tudo, pois a revelação de sua identidade coincidirá com a atribuição de interesse calculista de suas atitudes. Embora seu destino tenha sido decidido sempre em instâncias independentes de sua vontade – o abandono de Salvador por Ângela, a adoção do Conselheiro, a aceitação dos termos do testamento por insistência do pai – é ela quem acaba sofrendo as conseqüências e precisa se justificar. Essas ações à revelia de sua vontade atenuam em julgamento mais rigoroso, mas mesmo assim permanece um resíduo pelo qual é responsável e que sua integridade pessoal rejeita a si própria: prestou-se à farsa, aceitou as condições, aqui de forma dúbia, pois, querendo ou não, seduziu Estácio; além disto, as testemunhas que poderiam defendê-la morreram (Ângela e o Conselheiro) ou desapareceram (Salvador). Não dispõe de nenhum álibi e, se houvessem outros depoimentos favoráveis, teriam de proceder dos diretamente interessados, como Estácio e D. Úrsula. Fica assim, entregue a si mesma e à sua parcela de culpa.
Mas o problema não diz respeito somente a Helena. Nela se concentra um dilema que aflige outras personagens: Eugênia, embora sua frivolidade impeça-a de compreender a natureza de sua condição social, e Mendonça. É por meio dele, que aparece o drama crucial das personagens. Ele precisa provar que seu afeto por Helena é puro e bem intencionado, embora o casamento de ambos – ele, de boa família, mas pobre e sem futuro fora do funcionalismo público; ela, rica, mas de origem espúria, ainda que reconhecida pelo pai fictício – não possa ser mais conveniente aos olhos dos demais e deles mesmos.
A história manipula essa ambivalência: todos agem com a maior correção, todavia, suas ações não resistem ao crivo da análise retrospectiva. Precisam parecer imaculados ao extremo, e só esse exagero compensa o risco da desconfiança. E ainda assim esta os submete, porque parte de dentro do próprio enredo, e nem Mendonça escapa, pois dele é antecipado que só um bom casamento o salvaria do trabalho e da mediocridade do Rio de Janeiro. (ZILBERMAN, 1989, p. 78)
Entretanto, se pesa sobre essas personagens a ameaça de desmascaramento, ninguém deveria experimentar este problema com mais intensidade que Estácio. O jovem, rico e talentoso filho do Conselheiro Vale não precisa temer por seu passado, nem pelo futuro, antecipado pela carreira política em que ensaia os primeiros passos mas, por outro lado, ele oculta a paixão mais condenável: a atração que sente por Helena, de natureza incestuosa, mascarada por um temperamento doméstico e um coração generoso.
O processo de ocultação dos sentimentos interiores de Estácio é mais fino. Enquanto Helena está consciente de tudo, escondendo de todos, mas não de si mesma, as peças mais importantes do enredo, Estácio não somente atua de modo inconsciente, como não quer admitir a natureza de seu afeto, reprimindo-o como tal e deslocando-o para o ciúme possessivo com que trata o caso sentimental da irmã e seu amigo Mendonça.
O mascaramento é duplo – Estácio, como Helena, esconde a verdade do leitor; mas, ao contrário dela, esconde-a também de si mesmo. É necessária a intervenção de uma instância superior, papel atribuído a Melchior, para ela ser extraída com todas as palavras. só então o leitor tem confirmadas suas suspeitas; mas, chegando a esse estágio, ele pode desconfiar de tudo, de modo que nova ocultação se faz necessária. Mais uma vez a morte de Helena se mostra oportuna, pois, com ela, ficam sepultados os segredos – e, mais importante, as suspeitas que deterioram a pureza das intenções e dos sentimentos, a integridade das pessoas, a harmonia e regularidade do universo doméstico. (ZILBERMAN, 1989, p. 79)
A oscilação entre encobrimento e revelação, permite ao autor analisar a índole das regras sociais, que existem para garantir a aparência de normalidade e honestidade a ser transmitida pelo comportamento das pessoas.
3.3 Sociedade e aparência
No momento ficcional do romance Helena (1850-1851) a sociedade carioca é regida por “leis” que se lastreiam sob uma dupla perspectiva. E é sob essas duas faces que norteiam as condutas que machado de Assis desenvolve o enredo.
De um lado, as leis regulam a vida familiar, condenando a atração incestuosa que talvez fosse mais presente do que se possa imaginar, dentro da estrutura patriarcal de uma sociedade fechada, imóvel e fundada na dominação de um chefe da clã sobre parentes, agregados e servos (ZILBERMAN, 1989). O autor trabalha esse aspecto em níveis diferentes. O menos complexo e mais evidente quando eclode a verdade diz respeito ao par Estácio-Helena: Melchior denuncia, o rapaz ama a irmã, mas o fato é desculpável, por decorrer provavelmente da falta de convivência dos dois durante a infância. Poder-se-ia dispensar as justificativas já que eles não são irmãos: o incesto é apenas aparente. O escândalo é contornado, mas, até a verdade se tornar evidente, o leitor é levado a aceitar a situação que, embora agradável aos cânones românticos da época, é insuportável do ponto de vista das convenções.
Num segundo plano dá-se a relçação Camargo-Eugênia. Camargo, que é também o vilão da intriga, embora, no fundo, não prejudique ninguém, tem um amor possessivo pela filha, através de quem deseja triunfar socialmente. A causa da paixão é, ao mesmo tempo, sua atenuante, com o que Machado resguarda mais uma vez as aparências.
Todavia, no terceiro nível, a relação incestuosa é menos evidente e, simultaneamente, mais daninha: Helena e salvador mantém um relacionamento de amantes, encontrando-se às escondidas e às expensas dos prejuízos que as visitas dela possam lhe carrear. Relativamente a Salvador, Helena age como Electra, cultuando o pai que fora traído pela mãe; e por ele sacrifica, morrendo ao perdê-lo. Eis outro dos agravantes que a condenam á morte, sendo que, de novo, não conta com uma desculpa à altura do crime. (ZILBERMAN, 1989, P. 80).
No que diz respeito ao casamento, tema legalmente mais fácil de ser abordado, na trama do romance não deixa de ser problemático. “Helena”, a grosso modo, apresenta alguns casais enamorados que não podem casar entre si, visto que o sentimento mais profundo e autêntico, entre a heroína e Estácio, sofre dupla proibição: a do incesto, já referida; e a da diferença social, quando se devolve a moça à sua classe de origem. O casal ideal está separado de modo irreversível; restam os casais possíveis: Estácio e Eugênia; Helena e Mendonça. Apesar de contarem com o beneplácito da instituição mais respeitada no romance, a Igreja, representada por Padre Melchior, há evidente assimetria: Estácio é muito mais rico que Eugênia; Mendonça é muito mais pobre que Helena. E se Mendonça oferece a compensação de ser de “boa família”, ao contrário de Helena, de origem obscura. Eugênia, da sua parte, traz um dote medíocre.
Lidando com a oscilação entre encobrimento e revelação, Helena chega à beira de um tema que poria em causa a organização da sociedade, suas leis e instituições. Diante do abismo que se abre, ele recua: ainda assim, não deixa de questionar a aparência, fazendo-o por meio do modelo narrativo, de tipo prospectivo /retrospectivo, e do comportamento das personagens, seguidamente preocupadas com que os outros vão pensar e recebendo a confirmação de que essa atitude se justifica. (ZILBERMAN, 1989, p. 81)
Machado de Assis, em linhas gerais, assume no romance o papel de defensor das aparências, procurando apresentar o mundo interior das personagens num ângulo que visa confirmar que as atitudes delas são corretas. A cena que se segue logo após à proposta de casamento de Helena, feita por Mendonça, é esclarecedora: proponente está em vias de ser denunciado como oportunista por Estácio e mais toda a sociedade carioca. O socorro parte do narrador, tendo participação direta no evento, a fim de abonar e salvaguardar a sinceridade e nobreza do seu comportamento.
Segundo Regina Zilberman (1989), o narrador está sendo conivente com as aparências, pois suas palavras visam impedir que se faça mau juízo do rapaz; ou que venha à luz o caráter conveniente do matrimônio para as duas partes. Em outras palavras, quando expõe a interioridade de Mendonça aos olhos do leitor, quer encobrir a evidência de que consórcios como o de Mendonça e Helena faziam parte do mercado amoroso da época, segundo o qual cada um dos parceiros entrava com sua cota, comprando ou vendendo o corpo que lhe faltava.
3.4 O leitor de “Helena” e seu momento histórico
O espectro social dos leitores da época em que o romance saiu em folhetim e logo após publicado (1876) era bastante reduzido, pertencendo a um grupo socialmente elevado ou a um setor intermediário, ainda pouco representativo, composto da classe média ou de brancos livres que sabiam ler e trabalhavam como agregados ou dependentes da alta burguesia.
A ação ficcional passa-se entre 1850-1851, sendo os fatos mais remotos retrocedendo às décadas de 20 e 30, respectivamente quando o Conselheiro casou e nasceu Estácio, Ângela e Salvador fugiram e nasceu Helena. Uma geração separa a data de produção da obra e a dos eventos fictícios, distância temporal ainda rara nos escritos de Machado.
Conforme Regina Zilberman (1989), talvez tanto o distanciamento (publicação da obra), quanto o ano durante o qual transcorre a ação, tenham sua razão de ser, já que os historiadores com notável unanimidade acentuam a importância de 1850 para a trajetória do Segundo Império. Nesse ano, pressionado pelo governo inglês, o Brasil obrigou-se a definitivamente proibir o tráfico de escravos africanos. Na ocasião, o país assistia ao crescimento da importância do café na pauta das exportações, substituindo o açúcar e os demais artigos agrícolas em que se fundava a economia desde o período colonial. Também as fazendas produtoras de café dependiam do braço escravo; todavia, muitas delas vão aos poucos se organizar sobre bases mais dinâmicas e adequadas às necessidades do capitalismo moderno, estimulando muito lentamente uma política de imigração de trabalhadores europeus brancos.
Estes acontecimentos – proibição do comércio de africanos, reduzindo-o ao tráfico interno que importará negros do Nordeste, onde a cultura do açúcar, derrotada pelos cafeicultores e privada de braços, decairá mais rapidamente; a mudança de pólo econômico, aproximando-o geograficamente da capital do país, somados a outros, como o início da modernização do Rio de Janeiro e os primeiros passos na direção da industrialização, vão modificar bastante a sociedade carioca.
Entre o Rio de Janeiro de Helena – personagem e o de “Helena”- livro, as transformações são significativas: a velha sociedade patriarcal, de fortes componentes coloniais, estava sendo substituída por uma formação social mais diversificada, onde, à tradicional oligarquia rural, se acrescentavam uma burguesia endinheirada à custa dos negócios de importação e exportação ou dos novos empreendimentos financeiros, uma classe intelectual mais ativa, que reivindicava mudanças políticas, e um grupo intermediário, mas não menos importante, em que se misturavam imigrantes, funcionários públicos, comerciantes, jornalistas, professores etc.
A realidade ficcional de “Helena” não é bem essa: ali representa-se uma sociedade rigidamente dividida e hierarquizada, com opções muito restritas de trabalho, ascensão e realização pessoal. De certa maneira, todos são vítimas dessa estratificação e estreiteza, pois mesmo Estácio perde sua oportunidade de ser feliz. Sob este aspecto o livro esboça uma crítica sutil; ao mesmo tempo, antecipa o final desse mundo, já que sua superação está em vias de acontecer a narrativa principia.
(ZILBERMAN, 1989, p. 85).
Talvez seja este o motivo do enredo começar e terminar com uma morte que, reconduzindo os acontecimentos à origem confere-lhes agora uma nova dimensão. Realizou-se o rito de passagem, e Helena foi o objeto de sacrifício. Esta circunstância indica que algo mudou, pois o ritual prepara a atualidade para o que está por vir. Se ao final a ação retoma o ponto de partida é porque foi necessário corrigir seu percurso, que este não é mais o mesmo, tendo-se rompido o ciclo da estagnação, uma nova realidade mostrando-se apta para acolher a emergência/ urgência do novo.
Entretanto, a responsabilidade em última instância por esse sacrifício cabe ao Conselheiro, síntese completa do velho mundo colonial, conforme sua descrição, na primeira página do romance, sugere:
O conselheiro, posto não figurasse em nenhum grande cargo do Estado, ocupava elevado lugar na sociedade adquiridas cabedais, educação e tradições de família. Seu pai fora magistrado no tempo colonial, e figura de certa influência na corte do último vice-rei. Pelo lado materno descendia de uma das mais distintas famílias paulistas. (p. 11)
Digno de atenção é o fato de a história contemporânea à ação ficcional não ser mencionada na narrativa: não há qualquer referência aos eventos que agitavam a vida carioca nos anos 50 e que direcionariam o país para uma nova fase. A vida no Andaraí parece não se dar conta desses acontecimentos, circunstâncias que amplia a cegueira de Estácio, indicando ao leitor que, se depender do herói, igualmente terá seu raio de visão restringido.
É oportuno observar como se opera essa omissão: a história encaminhava-se para a superação da organização social herdada da colônia; dentro do universo fechado da narrativa, a marcha daquela não é percebida, nem mencionada. Talvez porque, no fundo, não se constatar diferença substancial; ou porque o autor tivesse preferido optar pelos valores tradicionais (3), ainda quando vitimavam pessoas tão qualificadas como Helena.
Conforme Regina Zilberman (1989), é Helena que corre em direção mais diametralmente oposta à da história. Esta, coincidindo com a modernização da sociedade, determinará a relativa emancipação da mulher. A heroína, porém, ainda não conta com essa opção: ou permanece na dependência dos Vale ou se prostitui, como sua mãe, que fez ambas as escolhas. A possibilidade de emancipação começava a se esboçar para a leitora de Helena, mas era ainda remota: a mudança não tinha chegado a ponto de converter a mulher em força de trabalho fora do lar e do casamento. Apenas poderia ser cogitada e pode-se supor que Machado tenha desejado lidar com esse intervalo. Nem Helena, nem a leitora tinham chances diferentes, mas o autor não aspirava à completa assimilação entre protagonista e destinatário.
______________
(3) c.f a respeito Schwarz, Roberto. Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo, Duas Cidades, 1977.
IV – MITOLOGIA, METÁFORAS E SEMIÓTICA
4.1. Pequena elucubração mitológica
Ao longo do romance “Helena”, a noção de que os filhos pagam pelos erros dos pais é reiterada com alguma insistência. A cena entre Estácio e o padre, representa-a bem, o rapaz indiretamente acusando o pai por causar-lhe os problemas sentimentais insolúveis que está enfrentando.
Por esta razão, a escritora e pesquisadora norte-americana Helen Cladwell, estudiosa da obra machadiana, aproxima o jovem Estácio a outro paradigma mítico, vendo-o como reencarnação de Orestes. Helena, por sua vez, não é menos vítima: primeiramente, da irresponsabilidade de Salvador e Ângela ; depois, do testamento do Conselheiro que, ao causar-lhe a imolação futura, associa a heroína a outro modelo da mitologia: Ifigênia, irmã e Orestes e Electra, sobrinhos da Helena grega de quem herda o nome.
4.2. Metáforas e semiótica(4)
“ O sol e a agitação alastravam-lhe a testa de pérolas de suor; ao ofego da marcha apressada juntava-se o da violência comoção”. (HE – p. 225)
- as gotas de suor ao sol figuram-se como pérolas.
_____________
(4) Machado de Assis. Obra Completa (Org. Afrânio Coutinho). Rio de Janeiro. Ed. José Aguilar, 1959. V.I
(2) ASSIS, Machado de. “Helena”. São Paulo, Ática: 1975, p. 53
Embora alegue inocência, Helena teme o desmascaramento acima de tudo, pois a revelação de sua identidade coincidirá com a atribuição de interesse calculista de suas atitudes. Embora seu destino tenha sido decidido sempre em instâncias independentes de sua vontade – o abandono de Salvador por Ângela, a adoção do Conselheiro, a aceitação dos termos do testamento por insistência do pai – é ela quem acaba sofrendo as conseqüências e precisa se justificar. Essas ações à revelia de sua vontade atenuam em julgamento mais rigoroso, mas mesmo assim permanece um resíduo pelo qual é responsável e que sua integridade pessoal rejeita a si própria: prestou-se à farsa, aceitou as condições, aqui de forma dúbia, pois, querendo ou não, seduziu Estácio; além disto, as testemunhas que poderiam defendê-la morreram (Ângela e o Conselheiro) ou desapareceram (Salvador). Não dispõe de nenhum álibi e, se houvessem outros depoimentos favoráveis, teriam de proceder dos diretamente interessados, como Estácio e D. Úrsula. Fica assim, entregue a si mesma e à sua parcela de culpa.
Mas o problema não diz respeito somente a Helena. Nela se concentra um dilema que aflige outras personagens: Eugênia, embora sua frivolidade impeça-a de compreender a natureza de sua condição social, e Mendonça. É por meio dele, que aparece o drama crucial das personagens. Ele precisa provar que seu afeto por Helena é puro e bem intencionado, embora o casamento de ambos – ele, de boa família, mas pobre e sem futuro fora do funcionalismo público; ela, rica, mas de origem espúria, ainda que reconhecida pelo pai fictício – não possa ser mais conveniente aos olhos dos demais e deles mesmos.
A história manipula essa ambivalência: todos agem com a maior correção, todavia, suas ações não resistem ao crivo da análise retrospectiva. Precisam parecer imaculados ao extremo, e só esse exagero compensa o risco da desconfiança. E ainda assim esta os submete, porque parte de dentro do próprio enredo, e nem Mendonça escapa, pois dele é antecipado que só um bom casamento o salvaria do trabalho e da mediocridade do Rio de Janeiro. (ZILBERMAN, 1989, p. 78)
Entretanto, se pesa sobre essas personagens a ameaça de desmascaramento, ninguém deveria experimentar este problema com mais intensidade que Estácio. O jovem, rico e talentoso filho do Conselheiro Vale não precisa temer por seu passado, nem pelo futuro, antecipado pela carreira política em que ensaia os primeiros passos mas, por outro lado, ele oculta a paixão mais condenável: a atração que sente por Helena, de natureza incestuosa, mascarada por um temperamento doméstico e um coração generoso.
O processo de ocultação dos sentimentos interiores de Estácio é mais fino. Enquanto Helena está consciente de tudo, escondendo de todos, mas não de si mesma, as peças mais importantes do enredo, Estácio não somente atua de modo inconsciente, como não quer admitir a natureza de seu afeto, reprimindo-o como tal e deslocando-o para o ciúme possessivo com que trata o caso sentimental da irmã e seu amigo Mendonça.
O mascaramento é duplo – Estácio, como Helena, esconde a verdade do leitor; mas, ao contrário dela, esconde-a também de si mesmo. É necessária a intervenção de uma instância superior, papel atribuído a Melchior, para ela ser extraída com todas as palavras. só então o leitor tem confirmadas suas suspeitas; mas, chegando a esse estágio, ele pode desconfiar de tudo, de modo que nova ocultação se faz necessária. Mais uma vez a morte de Helena se mostra oportuna, pois, com ela, ficam sepultados os segredos – e, mais importante, as suspeitas que deterioram a pureza das intenções e dos sentimentos, a integridade das pessoas, a harmonia e regularidade do universo doméstico. (ZILBERMAN, 1989, p. 79)
A oscilação entre encobrimento e revelação, permite ao autor analisar a índole das regras sociais, que existem para garantir a aparência de normalidade e honestidade a ser transmitida pelo comportamento das pessoas.
3.3 Sociedade e aparência
No momento ficcional do romance Helena (1850-1851) a sociedade carioca é regida por “leis” que se lastreiam sob uma dupla perspectiva. E é sob essas duas faces que norteiam as condutas que machado de Assis desenvolve o enredo.
De um lado, as leis regulam a vida familiar, condenando a atração incestuosa que talvez fosse mais presente do que se possa imaginar, dentro da estrutura patriarcal de uma sociedade fechada, imóvel e fundada na dominação de um chefe da clã sobre parentes, agregados e servos (ZILBERMAN, 1989). O autor trabalha esse aspecto em níveis diferentes. O menos complexo e mais evidente quando eclode a verdade diz respeito ao par Estácio-Helena: Melchior denuncia, o rapaz ama a irmã, mas o fato é desculpável, por decorrer provavelmente da falta de convivência dos dois durante a infância. Poder-se-ia dispensar as justificativas já que eles não são irmãos: o incesto é apenas aparente. O escândalo é contornado, mas, até a verdade se tornar evidente, o leitor é levado a aceitar a situação que, embora agradável aos cânones românticos da época, é insuportável do ponto de vista das convenções.
Num segundo plano dá-se a relçação Camargo-Eugênia. Camargo, que é também o vilão da intriga, embora, no fundo, não prejudique ninguém, tem um amor possessivo pela filha, através de quem deseja triunfar socialmente. A causa da paixão é, ao mesmo tempo, sua atenuante, com o que Machado resguarda mais uma vez as aparências.
Todavia, no terceiro nível, a relação incestuosa é menos evidente e, simultaneamente, mais daninha: Helena e salvador mantém um relacionamento de amantes, encontrando-se às escondidas e às expensas dos prejuízos que as visitas dela possam lhe carrear. Relativamente a Salvador, Helena age como Electra, cultuando o pai que fora traído pela mãe; e por ele sacrifica, morrendo ao perdê-lo. Eis outro dos agravantes que a condenam á morte, sendo que, de novo, não conta com uma desculpa à altura do crime. (ZILBERMAN, 1989, P. 80).
No que diz respeito ao casamento, tema legalmente mais fácil de ser abordado, na trama do romance não deixa de ser problemático. “Helena”, a grosso modo, apresenta alguns casais enamorados que não podem casar entre si, visto que o sentimento mais profundo e autêntico, entre a heroína e Estácio, sofre dupla proibição: a do incesto, já referida; e a da diferença social, quando se devolve a moça à sua classe de origem. O casal ideal está separado de modo irreversível; restam os casais possíveis: Estácio e Eugênia; Helena e Mendonça. Apesar de contarem com o beneplácito da instituição mais respeitada no romance, a Igreja, representada por Padre Melchior, há evidente assimetria: Estácio é muito mais rico que Eugênia; Mendonça é muito mais pobre que Helena. E se Mendonça oferece a compensação de ser de “boa família”, ao contrário de Helena, de origem obscura. Eugênia, da sua parte, traz um dote medíocre.
Lidando com a oscilação entre encobrimento e revelação, Helena chega à beira de um tema que poria em causa a organização da sociedade, suas leis e instituições. Diante do abismo que se abre, ele recua: ainda assim, não deixa de questionar a aparência, fazendo-o por meio do modelo narrativo, de tipo prospectivo /retrospectivo, e do comportamento das personagens, seguidamente preocupadas com que os outros vão pensar e recebendo a confirmação de que essa atitude se justifica. (ZILBERMAN, 1989, p. 81)
Machado de Assis, em linhas gerais, assume no romance o papel de defensor das aparências, procurando apresentar o mundo interior das personagens num ângulo que visa confirmar que as atitudes delas são corretas. A cena que se segue logo após à proposta de casamento de Helena, feita por Mendonça, é esclarecedora: proponente está em vias de ser denunciado como oportunista por Estácio e mais toda a sociedade carioca. O socorro parte do narrador, tendo participação direta no evento, a fim de abonar e salvaguardar a sinceridade e nobreza do seu comportamento.
Segundo Regina Zilberman (1989), o narrador está sendo conivente com as aparências, pois suas palavras visam impedir que se faça mau juízo do rapaz; ou que venha à luz o caráter conveniente do matrimônio para as duas partes. Em outras palavras, quando expõe a interioridade de Mendonça aos olhos do leitor, quer encobrir a evidência de que consórcios como o de Mendonça e Helena faziam parte do mercado amoroso da época, segundo o qual cada um dos parceiros entrava com sua cota, comprando ou vendendo o corpo que lhe faltava.
3.4 O leitor de “Helena” e seu momento histórico
O espectro social dos leitores da época em que o romance saiu em folhetim e logo após publicado (1876) era bastante reduzido, pertencendo a um grupo socialmente elevado ou a um setor intermediário, ainda pouco representativo, composto da classe média ou de brancos livres que sabiam ler e trabalhavam como agregados ou dependentes da alta burguesia.
A ação ficcional passa-se entre 1850-1851, sendo os fatos mais remotos retrocedendo às décadas de 20 e 30, respectivamente quando o Conselheiro casou e nasceu Estácio, Ângela e Salvador fugiram e nasceu Helena. Uma geração separa a data de produção da obra e a dos eventos fictícios, distância temporal ainda rara nos escritos de Machado.
Conforme Regina Zilberman (1989), talvez tanto o distanciamento (publicação da obra), quanto o ano durante o qual transcorre a ação, tenham sua razão de ser, já que os historiadores com notável unanimidade acentuam a importância de 1850 para a trajetória do Segundo Império. Nesse ano, pressionado pelo governo inglês, o Brasil obrigou-se a definitivamente proibir o tráfico de escravos africanos. Na ocasião, o país assistia ao crescimento da importância do café na pauta das exportações, substituindo o açúcar e os demais artigos agrícolas em que se fundava a economia desde o período colonial. Também as fazendas produtoras de café dependiam do braço escravo; todavia, muitas delas vão aos poucos se organizar sobre bases mais dinâmicas e adequadas às necessidades do capitalismo moderno, estimulando muito lentamente uma política de imigração de trabalhadores europeus brancos.
Estes acontecimentos – proibição do comércio de africanos, reduzindo-o ao tráfico interno que importará negros do Nordeste, onde a cultura do açúcar, derrotada pelos cafeicultores e privada de braços, decairá mais rapidamente; a mudança de pólo econômico, aproximando-o geograficamente da capital do país, somados a outros, como o início da modernização do Rio de Janeiro e os primeiros passos na direção da industrialização, vão modificar bastante a sociedade carioca.
Entre o Rio de Janeiro de Helena – personagem e o de “Helena”- livro, as transformações são significativas: a velha sociedade patriarcal, de fortes componentes coloniais, estava sendo substituída por uma formação social mais diversificada, onde, à tradicional oligarquia rural, se acrescentavam uma burguesia endinheirada à custa dos negócios de importação e exportação ou dos novos empreendimentos financeiros, uma classe intelectual mais ativa, que reivindicava mudanças políticas, e um grupo intermediário, mas não menos importante, em que se misturavam imigrantes, funcionários públicos, comerciantes, jornalistas, professores etc.
A realidade ficcional de “Helena” não é bem essa: ali representa-se uma sociedade rigidamente dividida e hierarquizada, com opções muito restritas de trabalho, ascensão e realização pessoal. De certa maneira, todos são vítimas dessa estratificação e estreiteza, pois mesmo Estácio perde sua oportunidade de ser feliz. Sob este aspecto o livro esboça uma crítica sutil; ao mesmo tempo, antecipa o final desse mundo, já que sua superação está em vias de acontecer a narrativa principia.
(ZILBERMAN, 1989, p. 85).
Talvez seja este o motivo do enredo começar e terminar com uma morte que, reconduzindo os acontecimentos à origem confere-lhes agora uma nova dimensão. Realizou-se o rito de passagem, e Helena foi o objeto de sacrifício. Esta circunstância indica que algo mudou, pois o ritual prepara a atualidade para o que está por vir. Se ao final a ação retoma o ponto de partida é porque foi necessário corrigir seu percurso, que este não é mais o mesmo, tendo-se rompido o ciclo da estagnação, uma nova realidade mostrando-se apta para acolher a emergência/ urgência do novo.
Entretanto, a responsabilidade em última instância por esse sacrifício cabe ao Conselheiro, síntese completa do velho mundo colonial, conforme sua descrição, na primeira página do romance, sugere:
O conselheiro, posto não figurasse em nenhum grande cargo do Estado, ocupava elevado lugar na sociedade adquiridas cabedais, educação e tradições de família. Seu pai fora magistrado no tempo colonial, e figura de certa influência na corte do último vice-rei. Pelo lado materno descendia de uma das mais distintas famílias paulistas. (p. 11)
Digno de atenção é o fato de a história contemporânea à ação ficcional não ser mencionada na narrativa: não há qualquer referência aos eventos que agitavam a vida carioca nos anos 50 e que direcionariam o país para uma nova fase. A vida no Andaraí parece não se dar conta desses acontecimentos, circunstâncias que amplia a cegueira de Estácio, indicando ao leitor que, se depender do herói, igualmente terá seu raio de visão restringido.
É oportuno observar como se opera essa omissão: a história encaminhava-se para a superação da organização social herdada da colônia; dentro do universo fechado da narrativa, a marcha daquela não é percebida, nem mencionada. Talvez porque, no fundo, não se constatar diferença substancial; ou porque o autor tivesse preferido optar pelos valores tradicionais (3), ainda quando vitimavam pessoas tão qualificadas como Helena.
Conforme Regina Zilberman (1989), é Helena que corre em direção mais diametralmente oposta à da história. Esta, coincidindo com a modernização da sociedade, determinará a relativa emancipação da mulher. A heroína, porém, ainda não conta com essa opção: ou permanece na dependência dos Vale ou se prostitui, como sua mãe, que fez ambas as escolhas. A possibilidade de emancipação começava a se esboçar para a leitora de Helena, mas era ainda remota: a mudança não tinha chegado a ponto de converter a mulher em força de trabalho fora do lar e do casamento. Apenas poderia ser cogitada e pode-se supor que Machado tenha desejado lidar com esse intervalo. Nem Helena, nem a leitora tinham chances diferentes, mas o autor não aspirava à completa assimilação entre protagonista e destinatário.
______________
(3) c.f a respeito Schwarz, Roberto. Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo, Duas Cidades, 1977.
IV – MITOLOGIA, METÁFORAS E SEMIÓTICA
4.1. Pequena elucubração mitológica
Ao longo do romance “Helena”, a noção de que os filhos pagam pelos erros dos pais é reiterada com alguma insistência. A cena entre Estácio e o padre, representa-a bem, o rapaz indiretamente acusando o pai por causar-lhe os problemas sentimentais insolúveis que está enfrentando.
Por esta razão, a escritora e pesquisadora norte-americana Helen Cladwell, estudiosa da obra machadiana, aproxima o jovem Estácio a outro paradigma mítico, vendo-o como reencarnação de Orestes. Helena, por sua vez, não é menos vítima: primeiramente, da irresponsabilidade de Salvador e Ângela ; depois, do testamento do Conselheiro que, ao causar-lhe a imolação futura, associa a heroína a outro modelo da mitologia: Ifigênia, irmã e Orestes e Electra, sobrinhos da Helena grega de quem herda o nome.
4.2. Metáforas e semiótica(4)
“ O sol e a agitação alastravam-lhe a testa de pérolas de suor; ao ofego da marcha apressada juntava-se o da violência comoção”. (HE – p. 225)
- as gotas de suor ao sol figuram-se como pérolas.
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(4) Machado de Assis. Obra Completa (Org. Afrânio Coutinho). Rio de Janeiro. Ed. José Aguilar, 1959. V.I
Pérola (simbologia): na Europa medieval, a pérola era utilizada na medicina para tratar a melancolia, a epilepsia (Machado era epilético), a demência, etc.
Na literatura persa, designa-se com o nome de pérola um pensamento refinado, tanto em função de sua beleza quanto do fato de que ele é produto do gênio criador do autor.
“O céu não ficou logo claro; mas o vento amainou, e era de esperar que o sol se desfizesse enfim do seu capote de nuvens” (HE – p. 202)
- As imagens do capote e do manto aplicam-se às nuvens e ao nevoeiro, num trecho todo metafórico, pois que a tempestade nada mais é que arrufo de namorados.
Nuvem (simbologia): na mitologia grega, Helena, por que Paris se apaixonou e por quem se lutou a guerra de Tróia, não era senão um fantasma de nuvens, devido à magia de Proteu.
“Esse estado não durou muito; dez minutos depois de deixar a casa de Camargo, sentiu alguma cousa semelhante a dentada de um remorso”. (HE – p. 202)
- um sentimento qualquer aparece freqüentemente sob a imagem de uma dentada.
Dentada (simbologia): a marca dos dentes na carne é como o sinal gravado de algo espiritual: intenção, amor, paixão. É o selo que indica uma vontade de possessão.
“A vergonha flamejava no rosto; Helena voltou as costas ao irmão e afastou-se rapidamente”. (HE – pp. 221/222)
- o rosto com força de espelho.
Rosto (simbologia): o rosto é o símbolo do que há de divino no homem, um divino apagado ou manifesto perdido ou reencontrado. O rosto, símbolo do mistério, é como uma porta para o invisível, cuja chave se perdeu.
“Ele contemplava a moça, com o olhar fixo e metálico dos gatos; (...)”. (HE – p. 231)
- o olhar do tipo felino é freqüente, assumindo vários tipos de sugestão e interpretação.
Gato (simbologia): o simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal.
“Vimo-lo apresentar a Estácio a maçã política; (...)” (HE – p. 237)
- a tentação política aparece figurada na maçã.
Maçã (simbologia): A maçã é simbolicamente utilizada em diversos sentidos aparentemente distintos, mas que mais ou menos se aproximam: é o caso do pomo da Discórdia, atribuído pelo herói Paris, raptor de Helena; dos pomos de ouro do Jardim das Hespérides, que são frutos da imortalidade; da maçã consumida por Adão e Eva (símbolo de pecado e desobediência); da maçã do Cântico dos Cânticos que representa a fecundidade do Verbo divino, seu sabor e seu odor.
Trata-se, portanto, em todas as circunstâncias, de um meio de conhecimento, mas que ora é o fruto da Árvore da Vida, ora o da Árvore do Conhecimento do bem e do mal: conhecimentos unificador, que confere a imortalidade, ou conhecimentos desagregador, que provoca a queda.
“Chorou muito; chorou todas as lágrimas poupadas durante aqueles meses plácidos e felizes, leite da alma com que fez calar a pouco e pouco os vagidos de sua dor”. (HE – p. 231)
- neste exemplo, o autor reforça a imagem das lágrimas como leite, que, assim como faz a uma criança calar os seus gemidos e aquietar-se, acalma e cala a dor da alma.
Leite (simbologia): primeira bebida e primeiro alimento, no qual todos os outros existem em estado potencial, o leite é naturalmente o símbolo da abundância, da fertilidade e também do conhecimento; e enfim, como caminho da iniciação, símbolo da imortalidade. O leite possui também virtudes curativas contra veneno.
“Estou velho, minha filha; estes cabelos brancos são já a neve desse mar polar para onde navegamos todos”. (HE – p. 245)
- a velhice se associa à idéia figurada de “inverno da vida”, a que se liga, naturalmente, a idéia de “neve” e de “mar polar”. O “branco” dos cabelos é o sinal visível da associação.
Branco (simbologia): é uma cor de passagem, no sentido a que nos sugerimos ao falar dos ritos de passagem: e é justamente a cor privilegiada desses ritos, através dos quais se operam as mutações do ser, segundo o esquema clássico de toda iniciação: morte e renascimento. Por isso, o branco é primitivamente a cor da morte e do luto.
Mar (simbologia): águas em movimento, o mar simboliza um estado transitório entre as possibilidades ainda informes, uma situação de ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão, e que pode se concluir bem ou mal.
Velhice (simbologia): se a velhice é um sinal de sabedoria e de virtude, se a China desde sempre honrou os velhos, é que se trata de uma prefiguração de longevidade, um longo acúmulo de experiência e de reflexão, que é apenas uma imagem imperfeita da imortalidade. Assim, a tradição conta que Lao-Tsé nasceu de cabelos brancos, com o aspecto de um velho e que daí vem o seu nome, que significa Velho Mestre.
“Os olhos fitos nele, eram como um espelho polido e frio (...)”. (HE – p. 271)
- metáfora por comparação, significando uma censura grave.
Olho (simbologia): o olho, órgão da percepção visual, é, de modo natural e quase universal, o símbolo da percepção intelectual.
Espelho (simbologia): o espelho, enquanto superfície que reflete, é suporte de um simbolismo extremamente rico dentro da ordem do conhecimento.
O que reflete o espelho? A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência... De acordo com Plotino, o homem enquanto espelho reflete a beleza ou a feiúra. O importante está, acima de tudo, na qualidade do espelho, sua superfície deve estar perfeitamente polida, pura, para obter um máximo de reflexo.
“ouvindo a palavra do irmão, Helena susteve o passo, e fitou-o com um olhar digno, um desses olhares que parecem vir das estrelas, qualquer que seja a estatura da pessoa”! (HE – p. 223)
- formulação metafórica iniciada por demonstrativo estabelecendo o vínculo entre o termo A, o comparativo, e o termo B, o comparante, empregada freqüentemente por Machado.
Estrela (simbologia): o caráter celeste das estrelas faz com que elas sejam também símbolos do espírito e, particularmente, do conflito entre as forças espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a obscuridade; são faróis projetados na noite do inconsciente.
Palavra (simbologia): sejam quais forem às crenças e os dogmas, a palavra simboliza de uma maneira geral a manifestação da inteligência na linguagem, na natureza dos seres e na criação contínua do universo; ela é a verdade e a luz do ser.
Conclusão
Devendo atender as exigências de seu público, eminentemente burguês e principalmente feminino, amante das narrativas melodramáticas, Machado de Assis vai desenvolver um tema muito explorado pelos escritores românticos: a obsessão pelo amor impossível ou sacrílego, tornado proibido por leis morais e sociais, que só se resolve na renúncia total à felicidade ou na morte.
Machado, preso também às convenções sociais e às contingências dos modismos românticos, não dá uma mínima chance a Helena de sobrevivência ou felicidade. Executa-a inapelavelmente, e mais, tudo indica que a sentença já havia sido anunciada desde o primeiro capítulo, sem chances de recursos ou apelação, já que o autor era a última instância.
O autor trabalha sem contradizer as convenções do romance romântico, o discurso derramado e o moralismo da solução. Se quisesse avançar e assumir outros riscos, teria de exigir mais da heroína, forçando-a a tomar decisões que fraturassem o universo que vivia. Mas deixa de fazê-lo não só porque, como ela, pode ser considerado moralista e liberal: é que, igualmente, seu público não suportaria o confronto com uma Helena emancipada, dona do próprio destino. E como seu criador, Helena recua no momento crucial, inutilizando todas as saídas, refugiando-se no único lugar que pensou ter-lhe sobrado: o do ideal, que só pode manter se aniquilar.
Machado conclui o veredicto: pena máxima.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Ana M. – O Jogo dissimulado. Ed. Ática. São Paulo: 1975.
ASSIS, Machado. – Helena. Ed. Ática. São Paulo: 1975.
______________. Obra Completa. (Org. Afrânio Coutinho) Vol. I. Ed. José Aguilar. Rio de Janeiro: 1959.
CALDWELL, Helen; - Machado de Assis. Universidade da Califórnia. Ed. Berkeley: 1970.
CASTRO, Walter de, - Metáforas Machadianas. Ao livro Técnico S/A. Rio de Janeiro: 1977.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain; - Dicionário de Símbolos. José Olympio Ed. Rio de Janeiro, 2006.
MEYER, Augusto; - Machado de Assis. Ed. Presença/MEC; Rio de Janeiro: 1975.
PEREIRA, Lúcia M.; - História da Literatura Brasileira – de 1850 a 1920. José Olympio Ed. Rio de Janeiro: 1973.
SCHWARZ, Roberto; - Ao vencedor as batatas; Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. Ed. Duas Cidades. São Paulo: 1977.
ZILBERMAN,Regina; - Estética da recepção e história da literatura. Ed. Ática. São Paulo.
Marília de Dirceu, Alberto da Veiga Guignard
Primeiramente, venho focar que os pintores, de um modo geral, procuram reproduzir a realidade, submetida a uma beleza idealista. O espírito clássico, a ordem e as formas simétricas são traços marcantes desta pintura.
As figuras são envolvidas pela ATMOSFERA, e a invenção do claro-escuro vem de forma a representar a realidade, e fazer com que a luz represente um papel nessa sinfonia, principalmente pelas expressões humanas...
Alberto da Veiga Guignard, com uma inclinação por temas populares, cujo lirismo e a pureza o aproximam dos artistas ingênuos, é considerado um dos mestres da pintura moderna brasileira.
A olho nu, podemos ver que o nome do quadro já esta exposto, sendo assim, o que determina a parte psicológica da personagem; Marilia de Dirceu - descobrimos que Marília: Variante de Maria, forma poética de Tomás Gonzaga. Pessoa amável , responsável e muito determinada, que luta sem medo contra todas as dificuldades até concretizar seus planos. Só então se sente plenamente realizada. Nem sempre consegue acertar na escolha do companheiro. Logo prossegue com o sobrenome Dirceu: vem de Dirce (personagem da mitologia grega que foi transformada em fonte). Indica uma pessoa que identifica o perigo como se contasse com um radar, mas às vezes se expõe a ele, pois adora correr riscos e viver de modo emocionante.
Na figura podemos notar traços de ingenuidade, devido às cores que retratam-na aparenta ser devota, sempre em direção de Deus – da fé Cristã, sendo assim criamos logo um julgamento daquilo que vemos, mostrando a primeiridade.
"A distinção entre Literatura e as demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo”.(LIMA, Alceu Amoroso. A estética literária e o crítico. 2. ed. Rio de Janeiro, AGIR, 1954. p 54-5.)
Logo em seguida, notamos traços da secundidade, por apresentar um contexto histórico místico e com muitos signos, pois Marília de Dirceu é uma das obras líricas mais estimadas e lidas no país, permite duas abordagens igualmente válidas. A primeira mostra-a como o texto árcade por excelência. A segunda aponta para sua dimensão pré-romântica.
O pastoralismo, a galanteria, a clareza, a recusa em intensificar a subjetividade, o racionalismo neoclássico que transforma a vida num caminho fácil para as almas sossegadas, eis alguns dos elementos que configuram o Arcadismo nas liras de Tomás Antônio Gonzaga, especialmente as da primeira parte do livro, produzidas ainda em liberdade.
As vinte e três liras iniciais de Marília de Dirceu são autobiográficas dentro dos limites que as regras árcades impõem à confissão pessoal, isto é, o EU não deve expor nada além do permitido pelas convenções da época. Assim um pastor (que é o poeta) celebra, em tom moderadamente apaixonado, as graças da pastora Marília, que conquistou o seu coração:
Tu, Marília, agora vendoDo Amor o lindo retratoContigo estarás dizendoQue é este o retrato teu.Sim, Marília, a cópia é tua, Que Cupido é Deus suposto: Se há Cupido, é só teu rostoQue ele foi quem me venceu.
Percebe-se no poema o enquadramento dos impulsos afetivos dentro do amor galante. Estamos longe do passionalismo romântico. A expressão sentimental vale-se de alegorias mitológicas e concentra-se em fórmulas mais ou menos graciosas. Vamos encontrar um conjunto de frases feitas sobre os encantos da amada, sobre as qualidades do pastor Dirceu e sobre a felicidade do futuro relacionamento entre ambos. Conforme o gosto do período, há um esforço para cantar as qualidades da vida em família, do casamento, das módicas alegrias que sustentam um lar.
O Desejo da Vida Comum ("Aurea Mediocritas")
Na verdade, o pastor Dirceu é um pacato funcionário público que sonha com a tranqüilidade do matrimônio, alheio a qualquer sobressalto, certo de que a domesticidade gratificará Marília. Por isso, ele trata de ressaltar a estabilidade de sua situação econômica:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,Que viva de guardar alheio gado;De tosco trato, de expressões grosseiro,Dos frios gelos, e dos sóis queimado.Tenho próprio casal* e nele assisto;Dá-me vinho, legume, frutas, azeite.Das brancas ovelhinhas tiro o leite,E mais as finas lãs, de que me visto.Graças, Marília bela,Graças à minha Estrela!
*Casal: pequena propriedade rústica
Há em Tomás Antônio, o gosto típico do século XVIII pela existência moderada e amena. Hoje, chamaríamos esta perspectiva de pequeno-burguesa. Contudo, o ideal de equilíbrio, compostura e honradez, em seu tempo, é progressista. Enquadra-se no princípio da "aurea mediocritas", da "mediania de ouro", isto é, a aspiração a uma vida comum, uma vida de classe média. Por causa de tal mediania, Dirceu pode afirmar a sua amada - na lira XXVII - as virtudes civis em oposição aos desmedidos heróis guerreiros:
O ser herói, Marília, não consisteEm queimar os Impérios: move a guerra, Espalha o sangue humano, E despovoa a terraTambém o mau tirano. Consiste o ser herói em viver justo: E tanto pode ser herói o pobre, Como o maior Augusto.
Ao imaginar o convívio entre ambos, ele esquece a condição pastoril e afirma orgulhosamente sua verdadeira profissão, ao mesmo tempo em que garante à futura esposa o privilégio de não viver a realidade cotidiana brasileira do século XVIII:
Ø Desvios Sensuais;
Estando ligado às concepções rígidas do Arcadismo, Tomás Antônio Gonzaga tende à generalização insossa dos sentimentos e ao amor comedido e discreto. Mas há vários momentos, em Marília de Dirceu, que indicam um desejo de confidência e onde aparecem atrevimentos eróticos surpreendentes. São momentos de emoção genuína: o poeta lembra que o tempo passa, que com os anos os corpos se entorpecem, e convoca Marília para o "carpe diem" renascentista:
Ornemos nossas testas com as flores, E façamos de feno um brando leito; Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, Gozemos do prazer de sãos Amores.Sobre as nossas cabeças, Sem que o possam deter, o tempo corre; E para nós o tempo, que se passa, Também, Marília, morre.
O Pré-romântico
A tristeza da prisão domina a segunda e a terceira partes do poema. Há uma tendência maior à confissão. Por outro lado, as convenções arcádicas diminuem e o equilíbrio neoclássico é várias vezes rompido pelo tom de desabafo que percorre o texto.
Logo detectamos a terceiridade, Marília de Dirceu segundo a visão contemporânea (1957) de Alberto Guignard nem sempre a amargura confere vigor poético aos versos, que continuam controlados nas imagens, nos ritmos e na pintura das emoções. Mas, aqui e ali, surgem flagrantes de grande beleza lírica, centrados nos sentimentos de injustiça, de medo do futuro e de medo da morte e, acima de tudo, na lembrança dolorosa de Marília. Estas passagens induziram alguns críticos a considerá-las manifestações de pré-romantismo. Veja-se o exemplo:
Quando em meu mal pondero, Então mais vivamente te diviso: Vejo o teu rosto e escuto A tua voz e riso. Movo ligeiro para o vulto dos passos; Eu beijo a tíbia luz em vez de face, E aperto sobre o peito em vão os braços.
A Linguagem Singela;
Apesar de seus inúmeros defeitos, Marília de Dirceu possui um encanto que mantém cativo os seus leitores: a linguagem simples e aparentemente espontânea. O poeta disfarça o seu esforço na construção da obra, através de um ritmo gracioso, alternando versos de dez e seis sílabas (decassílabos e hexassílabos). Usa também uma espécie de rima quebrada, combinado o segundo e o quarto versos, enquanto os outros são brancos. Vale-se, por vezes, do refrão e foge de todo e qualquer ornamento retórico de origem barroca. Mesmo quando as imagens clássicas tornam as liras afetadas e artificiais, o estilo continua simples, direto, envolvente.
Ao analisar um modelo entimetético percebemos que não há contradição entre procura do aqueciemnto e procura da produtividade otimal. E se houver perda de energia, há perda total da característica presente no quadro. Percebemos o uso das cores frias e calmas, na qual submete o leitor leigo a defrontar com aquilo que vê. Mas na realidade, adquiriu um colorido de acordo com a história de Tomás Gonzaga. Mas a terceiridade exposta atrás dos olhos de Marília é mais aguçada e representa um mundo mágico pelo seu sobrenome. Esse disfarce instiga o leitor a descobrir o que realmente representa. A cruz é um sinal de respeito a Deus. Mas ela está a frente da igreja, o que julgamos o seu egoísmo.
O que notamos é a abordagem das características predominantes no quadro Marília de Dirceu, de Guignard em duas tendências – em primeiro lugar, percebemos uma grande diversidade e heterogeneidade do autor, pelo fato de estar escondido o rosto humano dentro de um vaso semidescoberto.
O Romance Social - Lima Barreto
O Romance Social: Lima Barreto
O que aproxima Lima Barreto de Machado de Assis são as explorações em profundidade que ambos realizaram em relação a suas personagens. Como salienta Lúcia Miguel - Pereira (1973), Lima Barreto, como Machado de Assis, fala das suas criaturas que interroga a existência.
Mas não agradava a Lima Barreto ser comparado a Machado de Assis, ao qual nada queria dever:
Não lhe negando os méritos de grande escritor, sempre achei no Machado muita secura da alma, muita falta de simpatia, falta de entusiasmos generosos, uma porção de sestros pueris. Jamais o imitei e jamais me inspirou.
A diferença entre os dois romancistas é realmente grande, mas grandes são também os pontos de contato. Ambos usaram do romance como expressão mais espontânea e legítima para traduzir a sua posição em face da vida, o que equivale dizer que o violento Barreto e o dubitativo Machado precisaram igualmente desse recurso para se realizar.
Segundo Lúcia Miguel – Pereira (1973), criadores autênticos, se não pudessem escrever ficariam como mutilados, privados do seu meio de comunicação. Para eles - e seu tempo - a literatura foi mais uma servidão do que uma graça do espírito.
O romance Lima Barreto, apesar de seu “desluxo”, de suas “insuficiências de criador”, do “abuso do traço caricatural” , como afirma Werneck Sodré (1969), apresentou uma galeria numerosa, viva, colorida. As figuras de sua ficção foram recrutada na maior parte, seja na classe média, seja entre os trabalhadores, são figuras populares, que caracterizam o aspecto urbano, em que a marca local é acentuada. É uma pequena humanidade, humilde, sentimental, obscura, que povoa os subúrbios e lhes dá fisionomia.
Na transposição dessa gente é que Lima Barreto realizou o melhor, nisso é que se sentiu à vontade. O traço caricatural volta-se contra as figurações, particularmente os da política, e deforma os perfis, pela intencionalidade e pela natureza mesma da caricatura. A personagem principal, que está no centro de tudo, em torno de que giram as criaturas e em cujo fundo se situam os problemas e as cenas, é a cidade, não apenas a cidade das casas senhoriais, das chácaras, com a sua gente artificializada, mundana, copiando formas de existência cujas originais estão fora do país, mas a cidade esquecida, suburbana, dos pequenos funcionários, dos cantadores de modinhas, dos militares retirados da ativa, povoando suas quietas, enchendo os transportes coletivos, bisbilhoteira, amante das festas movimentadas e dos ajuntamentos agitados.
Lima Barreto realizou, e nisso está precisamente o seu mérito, nisso é que domina as suas insuficiências, uma crítica social muito viva, muito profunda, mostrando, em sua ficção, as injustiças da sociedade, o que era falso nela, o que era postiço, artificial, o que a deformava. Não procedeu assim porque fosse mulato, doente, pobre e sentisse a necessidade de vingar-se das injustiças feitas ao seu talento. Procedeu assim porque compreendeu cedo, e o ângulo pessoal apenas ajudou essa compreensão, as anomalias de um conjunto em que a sociedade denunciava a sua transformação, quando repontavam visíveis sinais de uma mudança. Sentiu a presença do que era novo, com a sua operada e aguda percepção, antes que os outros sentissem.
(Werneck Sodré, p. 1969, p.506).
Nos romances de Lima Barreto há sem dúvida, muito de crônica: ambientes, cenas quotidianas, tipos de café, de jornal, da vida burocrática, às vezes só mencionadas ou mal esboçados, naquela linguagem fluente e desambiciosa que se sói atribui ao gênero. O tributo que o romancista pagou ao jornalista (aliás, ao bom jornalista), foi considerável: mas a prosa de ficção, em maré de academismo, só veio a lucrar com essa descida de tom, que permitiu à realidade entrar sem máscara no texto literário.
Em Recordações ao Escrivão Isaías Caminha, há uma nota autobiográfica ilhada e desesperada nos primeiros capítulos; mas tende a diluir-se á medida que o romance progride, objetivando-se e abraçando descrições de tipos vários: o político, o jornalista, o burocrata carioca.
Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalista, no fanatismo xenófolo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados.
Numa e Ninfa, sátira política, tende à caricatura. O deputado Numa Pompílio de Castro, fina flor da burguesia dominante, jovem bacharel que sobe graças à sua diplomacia, no fundo cínica e capaz de sacrificar a honra pelo gozo dos privilégios. É notável nessa obra a caracterização de alguns tipos secundários, entre os quais o mulato Lucrécio Barba-de-Bode, cabo eleitoral, e o Doutor Bogóloff, imigrante russo, que serve ao romancista para apresentar sob novo prisma as mazelas da vida brasileira.
Ainda que em outra roupagem, mazelas que reaparecem em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Pintura animada e crônica mordente da sociedade carioca, esse livro constitui, com o seu visível desalinhavo, a mais carioca síntese de documentário e ideologia que conheceu o romance brasileiro antes do Modernismo.
O drama da pobreza e do preconceito racial constitui também o núcleo de Clara dos Anjos, romance inacabado, vindo à luz postumamente, mas cuja primeira redação remonta a 1904 a 1905. A proximidade da composição e do tema está a definir a necessidade de expressão autobiográfica em que penava o jovem Lima Barreto. Suas humilhações são encarnadas por Clara dos Anjos, moça pobre de subúrbio, seduzida e desprezada por um rapaz de extração burguesa.
Outro livro inacabado, Cemitério dos Vivos, memórias e reflexões em torno da vida num manicômio que o autor observou “in loco”, quando internado, por duas vezes, por motivos de alcoolismo, no Hospício Nacional.
Com os Bruzundangos Lima Barreto faz obra satírica por excelência. Escrita nos últimos anos de sua vida, a obra traz forte empenho ideológico e mostra o quanto o autor podia e sabia transcender as próprias frustrações e se encaminhar para uma crítica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasileira do seu tempo.
A guerra de 1914 e a revolução russa, que sobrevieram durante o seu período de atividade, embora não figurem nos seus livros de ficção, influíram fortemente, pelos problemas que suscitaram, no seu espírito. Ainda quando não diretamente abordadas, as idéias dominantes de uma época refletem sempre nos escritores que, como lima Barreto, só reagem violentamente contra o que o cerca porque a tudo se sentem indissoluvelmente ligados.
Lima Barreto foi bem um homem do seu tempo e da sua terra.
O que aproxima Lima Barreto de Machado de Assis são as explorações em profundidade que ambos realizaram em relação a suas personagens. Como salienta Lúcia Miguel - Pereira (1973), Lima Barreto, como Machado de Assis, fala das suas criaturas que interroga a existência.
Mas não agradava a Lima Barreto ser comparado a Machado de Assis, ao qual nada queria dever:
Não lhe negando os méritos de grande escritor, sempre achei no Machado muita secura da alma, muita falta de simpatia, falta de entusiasmos generosos, uma porção de sestros pueris. Jamais o imitei e jamais me inspirou.
A diferença entre os dois romancistas é realmente grande, mas grandes são também os pontos de contato. Ambos usaram do romance como expressão mais espontânea e legítima para traduzir a sua posição em face da vida, o que equivale dizer que o violento Barreto e o dubitativo Machado precisaram igualmente desse recurso para se realizar.
Segundo Lúcia Miguel – Pereira (1973), criadores autênticos, se não pudessem escrever ficariam como mutilados, privados do seu meio de comunicação. Para eles - e seu tempo - a literatura foi mais uma servidão do que uma graça do espírito.
O romance Lima Barreto, apesar de seu “desluxo”, de suas “insuficiências de criador”, do “abuso do traço caricatural” , como afirma Werneck Sodré (1969), apresentou uma galeria numerosa, viva, colorida. As figuras de sua ficção foram recrutada na maior parte, seja na classe média, seja entre os trabalhadores, são figuras populares, que caracterizam o aspecto urbano, em que a marca local é acentuada. É uma pequena humanidade, humilde, sentimental, obscura, que povoa os subúrbios e lhes dá fisionomia.
Na transposição dessa gente é que Lima Barreto realizou o melhor, nisso é que se sentiu à vontade. O traço caricatural volta-se contra as figurações, particularmente os da política, e deforma os perfis, pela intencionalidade e pela natureza mesma da caricatura. A personagem principal, que está no centro de tudo, em torno de que giram as criaturas e em cujo fundo se situam os problemas e as cenas, é a cidade, não apenas a cidade das casas senhoriais, das chácaras, com a sua gente artificializada, mundana, copiando formas de existência cujas originais estão fora do país, mas a cidade esquecida, suburbana, dos pequenos funcionários, dos cantadores de modinhas, dos militares retirados da ativa, povoando suas quietas, enchendo os transportes coletivos, bisbilhoteira, amante das festas movimentadas e dos ajuntamentos agitados.
Lima Barreto realizou, e nisso está precisamente o seu mérito, nisso é que domina as suas insuficiências, uma crítica social muito viva, muito profunda, mostrando, em sua ficção, as injustiças da sociedade, o que era falso nela, o que era postiço, artificial, o que a deformava. Não procedeu assim porque fosse mulato, doente, pobre e sentisse a necessidade de vingar-se das injustiças feitas ao seu talento. Procedeu assim porque compreendeu cedo, e o ângulo pessoal apenas ajudou essa compreensão, as anomalias de um conjunto em que a sociedade denunciava a sua transformação, quando repontavam visíveis sinais de uma mudança. Sentiu a presença do que era novo, com a sua operada e aguda percepção, antes que os outros sentissem.
(Werneck Sodré, p. 1969, p.506).
Nos romances de Lima Barreto há sem dúvida, muito de crônica: ambientes, cenas quotidianas, tipos de café, de jornal, da vida burocrática, às vezes só mencionadas ou mal esboçados, naquela linguagem fluente e desambiciosa que se sói atribui ao gênero. O tributo que o romancista pagou ao jornalista (aliás, ao bom jornalista), foi considerável: mas a prosa de ficção, em maré de academismo, só veio a lucrar com essa descida de tom, que permitiu à realidade entrar sem máscara no texto literário.
Em Recordações ao Escrivão Isaías Caminha, há uma nota autobiográfica ilhada e desesperada nos primeiros capítulos; mas tende a diluir-se á medida que o romance progride, objetivando-se e abraçando descrições de tipos vários: o político, o jornalista, o burocrata carioca.
Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalista, no fanatismo xenófolo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados.
Numa e Ninfa, sátira política, tende à caricatura. O deputado Numa Pompílio de Castro, fina flor da burguesia dominante, jovem bacharel que sobe graças à sua diplomacia, no fundo cínica e capaz de sacrificar a honra pelo gozo dos privilégios. É notável nessa obra a caracterização de alguns tipos secundários, entre os quais o mulato Lucrécio Barba-de-Bode, cabo eleitoral, e o Doutor Bogóloff, imigrante russo, que serve ao romancista para apresentar sob novo prisma as mazelas da vida brasileira.
Ainda que em outra roupagem, mazelas que reaparecem em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Pintura animada e crônica mordente da sociedade carioca, esse livro constitui, com o seu visível desalinhavo, a mais carioca síntese de documentário e ideologia que conheceu o romance brasileiro antes do Modernismo.
O drama da pobreza e do preconceito racial constitui também o núcleo de Clara dos Anjos, romance inacabado, vindo à luz postumamente, mas cuja primeira redação remonta a 1904 a 1905. A proximidade da composição e do tema está a definir a necessidade de expressão autobiográfica em que penava o jovem Lima Barreto. Suas humilhações são encarnadas por Clara dos Anjos, moça pobre de subúrbio, seduzida e desprezada por um rapaz de extração burguesa.
Outro livro inacabado, Cemitério dos Vivos, memórias e reflexões em torno da vida num manicômio que o autor observou “in loco”, quando internado, por duas vezes, por motivos de alcoolismo, no Hospício Nacional.
Com os Bruzundangos Lima Barreto faz obra satírica por excelência. Escrita nos últimos anos de sua vida, a obra traz forte empenho ideológico e mostra o quanto o autor podia e sabia transcender as próprias frustrações e se encaminhar para uma crítica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasileira do seu tempo.
A guerra de 1914 e a revolução russa, que sobrevieram durante o seu período de atividade, embora não figurem nos seus livros de ficção, influíram fortemente, pelos problemas que suscitaram, no seu espírito. Ainda quando não diretamente abordadas, as idéias dominantes de uma época refletem sempre nos escritores que, como lima Barreto, só reagem violentamente contra o que o cerca porque a tudo se sentem indissoluvelmente ligados.
Lima Barreto foi bem um homem do seu tempo e da sua terra.
Transversalidade e estética novelesca
Resumo
O fenômeno da imagem televisiva integrada, chegada ao nosso país na década de 1950, marcou o inicio de um meio de comunicação de massas imbatível em todos os segmentos da arte, de marketing, do jornalismo informativo e cultural, da dramaturgia e do entretenimento.
Das produções que a televisão oferece ao espectador, as novelas têm sido uma espécie de carro-chefe de suas programações. Com hora marcada e em todos os dias da semana o público novelesco se acomoda no sofá e acompanha, atenciosamente, o desenrolar de mais um capítulo do drama proposto. Esses temas, apesar de variados, obedecem a um determinado chavão, uma receita praticamente única, mas que, milagrosamente, prende a atenção dos telespectadores, só permitindo algum diálogo nos intervalos de publicidade. Perder algum capítulo do drama provoca lamentações.
Pergunta-se, então: porque não utilizar o mesmo método discursivo das novelas em sala de aula? Seria possível prender a atenção do aluno com a mesma técnica?
Será o que se pretende responder a seguir.
Palavras-chave: Televisão. Novelas. Professor. Aulas.
Abstract
The phenomenon of the image integrated televisiva, arrival to our country in the decade of 1950, marked him/it I begin of a middle of communication of masses unbeatable in all the segments of the art, of marketing, of the informative and cultural journalism, of the dramaturgia and of the entertainment.
Of the productions that the television offers to the spectator, the soap operas have been a type of car-boss of your programmings. With marked hour and in everyday of the week the public novelesco makes comfortable in the sofa and it accompanies, respectfully, uncoiling of one more chapter of the proposed drama. Those themes, in spite of varied, obey a certain cliché, a revenue practically only, but that, milagrosamente, arrests the viewers' attention, only allowing some dialogue in the publicity intervals. To lose some chapter of the drama provokes lamentations.
Does he/she/you wonder, then: because not to use the same discursive method of the soap operas in class room? Would it be possible to arrest the student's attention with the same technique?
It will be what she intend to answer to proceed.
Key-Word: Television. Soap operas. Teacher. Classes.
Introdução
Diante do fenômeno televisional e das estruturas operativas que aciona, será interessante examinar a contribuição que a experiência de produção televisional pode proporcional à reflexão estética, quer para reafirmação de posições já consolidadas, quer como estímulo – perante um fato não enquadrável em categorias determinadas ao alargamento e à reformulação de algumas definições teóricas.
Examinando-se os discursos até agora conduzidos em torno do fato “televisão”, torna-se consciente de que deles emergiram alguns temas notáveis, mas que a discussão desses temas, utilíssima para um desenvolvimento artístico da prática televisional, não traz nenhuma contribuição estimulante à educação. Por contribuição estimulante entenda-se “algo de novo”, que rejeite as justificativas já existentes e solicite a revisão das definições abstratas que pretendem referir-se a ela.
Fala-se em “espaço” televisivo – determinado pelas dimensões do vídeo tipo característico de profundidade proporcionando pelas objetivas das câmaras de televisão; notaram-se as peculiaridades do “tempo” televisional que, freqüentemente, se identifica com o tempo real ( na transmissão direta de acontecimentos ou espetáculos), sempre especificado pela relação com seu espaço e com um público em predisposição psicológica característica; e falou-se também da especialíssima relação comunicativa entre televisão e público, renovada pela própria disposição ambiental dos receptores, agrupadas em entidades numérica e qualitativamente diferentes das entidades dos espectadores de outros espetáculos (de forma a permitir ao individuo a margem máxima de isolamento, e a colocar em segundo plano o fator “coletividade”. Todos estes são problemas que o roteirista, o diretor, o produtor de televisão enfrentam continuamente constituindo pontos de interrogação e de programa para uma poética da Televisão.
Entretanto, o fato de cada meio de comunicação artística ter seu “espaço”, seu “tempo” e sua relação pessoal com aquele que usufrui, no plano filosófico traduz-se justamente na constatação e definição do fato em si. Os problemas ligados à operação televisional nada mais fazem que reconfirmar o discurso filosófico que atribui a todo “gênero” de arte o diálogo com uma matéria própria e a instauração de uma gramática e de um léxico próprios. Nesse sentido, essa problemática televisional não oferece ao pesquisador mais do que as outras artes já lhe tenham proposto.
Essa afirmação poderia ser definitiva se, pelo fato de se falar em “estética”, se tomasse em consideração apenas o aspecto claramente “artístico” do meio de televisão, a produção de novelas, comédias, musicais, espetáculos em sentido tradicional.
A novela televisiva, prática quase que exclusivamente levada ao ar nos canais sul-americanos, e o Brasil, inclusive, através da Rede Globo, tem sido grande exportador deste produto.
A questão que se levanta neste trabalho é a seguinte: como o professor, em sala de aula, poderia usar a técnica novelesca para atrair a atenção de seus alunos e, com isso, conseguir melhores resultados no processo ensino-aprendizagem.
Metodologia
Este trabalho teve como base o acompanhamento de alguns capítulos da novela “A Favorita”, que é levada ao ar, de segunda aos sábados, pela Rede Globo de Televisão. Durante as transmissões foi se anotando alguns tópicos principais que envolvem a trama, alguns aspectos técnicos que foi possível observar, já que a novela televisiva apresenta uma dinâmica toda própria, sendo difícil acompanhar a totalidade do seu desenvolvimento.
Procurou-se então, comparar a dinâmica da novela com aquela que acontece em sala de aula, buscando traçar um paralelo das duas formas de atingir o público alvo.
Resultados e discussões
O que mais se ressalta na trama de uma novela é o dinamismo. Seu autor coloca em ação uma série de atores, que de inicio parecem estar colocados em pequenos grupos, cada um deles revelando um determinado problema. Esses pequenos grupos vão, aos poucos, por acasos ou encontros fortuitos, justando-se uns aos outros e, geralmente, a partir de vários capítulos, estão todos entrelaçados na trama geral.
O autor faz algumas divisões de personagens com respeito ao caráter de cada um, situação econômica, as paixões, os ódios, as disputas por um determinado nicho, mas todos deixando claro um objetivo a atingir.
Esse objetivo a ser atingido, seja econômico, seja um “status” ou a conquista de um amor provoca as situações em que heróis e heroínas, vilões e vilãs se degladiam, sendo que estes últimos usam de meios inescrupulosos para alcançar suas pretensões, enquanto aqueles, na maior parte do drama, sofrem horrores e, mesmo sendo de boa índole, são as vítimas, que só alcançam a paz e a felicidade nos capítulos finais da novela.
Com poucas diferenças de uma novela para outra, este esquema acontece em todos os dramas televisivos.
A ação de cada quadro transcorre rapidamente, atingindo um determinado clímax e, imediatamente é transferido para outro, e assim por diante, até que as ações vão se entrelaçando uma às outras, formando um conjunto cênico que vai provocando o entendimento do telespectador e aos poucos identificando “quem é quem” na trama.
Ao final de cada capítulo, fica no ar uma ação de suspense, deixando antever o que irá acontecer no capítulo seguinte, aguçando a curiosidade do público pelo que possa vir a acontecer a seguir.
Essa mescla de cenas dolorosas, apaixonadas e cômicas configura uma outra receita comum usada nas novelas, em que o autor vai dosando a carga de emoções que envolvem o drama. O tema das novelas buscam sempre realçar algum aspecto de nossa realidade. Por exemplo: problemas ambientais, clonagem, disputa por herança, por cargos em empresas, injustiças, perseguições, amor, ódio, inveja, corrupção, a vida como ela é, em suas diversas nuances, dramatizada, ao vivo e as cores.
Essa técnica novelesca, ativa, dinâmica, acelerada, multifacetada, leva o telespectador de um quadro para outro, de uma personagem para outra de um cenário para outro, com riqueza de detalhes, experiências psicológicas do caráter e comportamentos humanos, fazendo com que o
público fique “grudado” na tela, ansioso para que chegue o dia seguinte para assistir a seqüência do capítulo interior.
Como se pode perceber, a curiosidade, a dinâmica, a novidade e a ação, que fazem da novela o sucesso de público comprovado pelas pesquisas especializadas.
O mesmo não se pode afirmar no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem dos alunos nos cursos regulares da rede educacional. Existem inúmeras receitas para que se evite o fracasso escolar mas, na prática, ainda não se chegou a um denominador comum no que tange ao sucesso, tanto do aluno quanto do professor, seja na assimilação ou na transmissão do conhecimento.
Ensinar não é transmitir dogmaticamente conhecimentos, mas dirigir e incentivar com habilidade e método, a atividade espontânea e criadora do educando. Nessas condições o ensino compreende todas as operações e processos que favorecem e estimulam o curso vivo e dinâmico da aprendizagem. (SANTOS, 1961, p. 12)
Segundo Veiga (1996) existem alguns princípios importantes a serem considerados por todos os que se preocupam com a aprendizagem:
A aprendizagem deve envolver o aluno, ter um significado com o seu contexto, para que realmente aconteça;
A aprendizagem é pessoal, pois envolve mudanças individuais;
Objetivos reais devem ser estabelecidos para que a aprendizagem possa ser significativa para os alunos;
Como a aprendizagem se faz num processo contínuo, ela precisa ser acompanhada de feedback, visando fornecer os dados para eventuais correções;
como a aprendizagem envolve todos os elementos do sistema, o bom relacionamento interpessoal é fundamental.
No entanto, conforme afirma Veiga (1996, p. 35), na realidade das escolas, quando procuramos decodificar o significado de ensinar, as idéias definem o professor como agente principal e responsável pelo ensino, sendo as atividades centralizadas em suas qualidades e habilidades. Aprender também relaciona um único agente principal e responsável, o aprendiz (aluno), estando as atividades centradas em suas capacidades, possibilidades e condições para que aprenda.
Diante deste contexto, percebe-se que o perfil do educador não mudou quase nada nas últimas décadas. Na verdade, poucos são os que fogem ao conceito de “educação bancária”, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam que nada sabem, cabendo aos sábios dar, entregar, transmitir o seu grande saber. Portanto, a educação se torna um simples ato de depositar conhecimentos, onde os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Infelizmente a didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva que deve ser copiada e decorada.
De acordo com Freyre (1987), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam entre si, mediatizados pelo mundo”, ou seja, a educação é problematizadora e, como prática de liberdade, exige de seus “personagens” uma nova concepção de comportamento. Ambos são educadores e educandos aprendendo e ensinando em conjunto, mediatizados pelo mundo.
Seguindo essa linha, o educador passa a ser o problematizador, que desafia os educandos que são agora investigadores críticos, permeados por constantes “diálogos”, pois a educação para prática de liberdade deve negar o conceito de isolamento e abstração do ser humano, tornando o mundo uma presença constante em seu diálogo.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998):
Ao pressupormos o ser humano como agente social e produtor de cultura, evocamos a emergência de suas histórias, delineadas no movimento do tempo em interação com o movimento no espaço.
Esse movimento, por sua vez, é mediado por diferentes linguagens, cujas expressões denotam traços de conhecimentos, valores e tradições de um povo, de uma etnia ou de um determinado grupo social. Nesse contexto, as “imagens” construídas pelos gestos, pelos sons, pela fala, pela plasticidade e pelo silêncio implicam conteúdos relevantes para a construção da identidade, pois é nesse universo plural de significados e sentidos que as pessoas se reconhecem na sua singularidade. (PCNs, 1998, pp. 155-156).
Adotando essa postura plural e singular, pode-se encontrar diferentes formas de expressão das identidades étnicas. Na música, há possibilidades de explorar essa expressão pela origem dos ritmos, pelas características melódicas e pelos instrumentos utilizados. Nos ritos, a representação – como na dança da colheita, da chuva, da guerra e a estética dos movimentos oferecem subsídios para a compreensão das identidades culturais.
Na escultura é possível encontrar elementos para o trabalho escolar no uso de materiais conforme a Tradição – pedra, barro, ferro, cobre, metal, materiais recicláveis e a criação da
forma na relação do homem com os elementos da natureza. Na pintura o mesmo se dá pelo efeito de sentido na interação das cores, traços, movimentos, figuras, expressando as relações do ser humano com o outro e com a natureza.
Usando-se o teatro, podem-se desenvolver estudos e atividades sobre o caráter sacro-profano do espaço teatral, com arenas, olimpos, púlpitos, o que há de atrair a atenção do adolescente, em particular ao propiciar que integre suas vivências nesse campo, com o que se analisa na escola.
Já no ensino de literatura, há um trabalho fértil a ser realizado sobre os movimentos e as escolas literárias, particularmente tendo em vista a construção da identidade nacional, como obra constante e coletividade; a visão crítica dos valores de diferentes épocas; a denúncia ou as reivindicações de diversos grupos sociais, por intermédio de suas criações literárias.
Cabe lembrar, ainda, a necessidade de trabalhar linguagens do mundo contemporâneo, em sua interação na vida cotidiana (a televisão, a Internet, jornais diários, revistas e outras).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), o trabalho com a proposta de transversalidade se define em torno de quatro pontos:
a) Os temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamento integrado nas diferentes áreas;
b) A proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva política-social se expresse no direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de objetivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as orientações didáticas;
c) A perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe o confinamento da atuação dos professores às atividades pedagogicamente formalizadas e amplia a responsabilidade com a formação dos alunos. Os temas transversais permeiam necessariamente toda a prática educativa que abarca relações entre os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar;
d) A inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas. Por exemplo, se é desejável que os alunos desenvolvam uma postura de respeito às diferenças, é fundamental que isso seja tratado desde o início da escolaridade e que continue sendo tratado cada vez com maiores possibilidades de reflexão, compreensão e autonomia. Muitas vezes essas questões são vistas como sendo da “natureza” dos alunos (eles são ou não disciplinados), ou atribuídas ao fato de terem tido ou não essa educação em casa. Outras vezes são vistas como aprendizados possíveis somente quando jovens (maiores) ou quando adultos. Sabe-se, entretanto, que é um processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda a escolaridade e que a contribuição da educação escolar é de natureza complementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente. (PCNs, 1998, p.p. 28,29)
Isto posto, dentro das linhas gerais da dramaturgia novelesca e dos princípios bases que regem a didática moderna para o ensino e a aprendizagem pode-se perguntar: como o professor pode prender a atenção do aluno usando das técnicas do autor de novelas?
Foi dito anteriormente, a novela funciona com o entrelaçamento das ações de vários grupos e segmentos que caminham para a formação de um grupo maior, único, através da transversalidade.
As personagens vão pouco-a-pouco dando forma às suas personalidades e se encaixando dentro do enredo cada uma trazendo para a trama que se desenvolve, particularmente, a peça que falta para fechar o círculo da história narrada.
Assim pode, também, ser constituída a aprendizagem, em que os temas sugerido para o ensino são divididos em turmas de trabalho, cada qual dando conta de um determinado segmento da matéria que, ao final, se juntariam para uma redação e avaliação do conjunto.
Cada grupo, sob a orientação do professor, se encarregaria da pesquisa do módulo que lhe coube, desenvolvendo a matéria através de bibliografia, revistas, jornais, Internet, etc., além dos livros didáticos oferecidos pela escola.
Quando todas as equipes terminarem a parte que lhes coube, um por um, eles explanariam a conclusão final de seus estudos para toda a classe e desta forma até o final, quando então se daria a conclusão com a síntese de todo o desenvolvimento da matéria sugerida.
Temas que seriam bem aproveitados pelos alunos na área de transversalidade e usando a técnica de novela, seriam aqueles que abrangem as questões sociais, por ter natureza diferente das áreas convencionais. Tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São debatidos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e de alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação à intervenção no âmbito social mais amplo quanto à atuação pessoal. São questões urgentes que interrogam sobre a vida humana e a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a essas duas dimensões.
Nas várias áreas do currículo escolar existem, implícita ou explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais, isto é, todos educam em relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que vinculam nos conteúdos, no que elegem como critério de avaliação, na metodologia de trabalho que adotam, nas situações didáticas que propõem aos alunos. Por outro lado, sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para explicá-los; ao contrário, a problemática dos temas transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento, prestando-se a serem expostos pelos alunos através de seminários e dramatizações, através da música e da dança.
Por exemplo, ainda que a programação desenvolvida não se refira diretamente à questão ambiental e que a escola não tenha nenhum trabalho nesse sentido, a Literatura, a Geografia, a História e as Ciências Naturais sempre veiculam alguma concepção de ambiente, valorizam ou desvalorizam determinadas idéias e ações, explicam ou não determinadas questões, tratam de determinados conteúdos; e, nesse sentido, efetivam uma “certa” educação ambiental. A questão ambiental não é compreensível apenas a partir das contribuições da Geografia. Necessita de conhecimentos históricos das Ciências Naturais, da Sociologia, da Economia, entre outros.
No livro “Apocalípticos e Integrados” (2001), Umberto Eco faz o seguinte comentário sobre o veículo Televisão:
É grave, de fato, não se perceber que, embora a TV tenha constituído um puro fenômeno sociológico até agora incapaz de dar vida a verdadeiras criações artística, todavia, justamente como fenômeno sociológico, surge como capaz de instituir gostos e propensões, de criar necessidades de apreciação tais que, a curto prazo, se tornam determinantes para os fins da evolução cultural, também em terreno estético. (ECO, 2001, p. 330)
A postura de Umberto Eco no parágrafo acima, deixa vislumbrar ser perfeitamente possível o uso das técnicas televisivas para suporte de outras práticas que não só visem o espetáculo ou a notícia.
Daí, portanto, a importância de certos estudos psicológicos (situações do espectador diante do vídeo) e sociológicos (modificações introduzida pelo exercício contínuo dessa situação nos grupos humanos, bem como tipos de exigências que os grupos dirigem ao meio de comunicação); dos quais derivam, em seguida, problemas de psicologia social (novas atitudes coletivas, reações motivadas por um novo tipo de relação psicológica exercitada em particular situação sociológica; com todas as conseqüências daí advindas para a história da cultura) e, portanto, de antropologia cultural (crescimento de novos mitos, tabus, sistemas assuntivos), de pedagogia e, naturalmente de política. (ECO, 2001, p. 337)
Neste compasso, Umberto Eco faz um alerta sobre a educação através das imagens, embora não desmereça totalmente as suas possibilidades:
A imagem é o resumo visível e indiscutível de uma série de conclusões a que se chegou através da elaboração cultural; e a elaboração cultural que se vale da palavra transmitida por escrito é apanágio da elite dirigente, ao passo que a imagem final é construída para a massa submetida. Nesse sentido, têm razão os manifueus: há, na comunicação pela imagem, algo de radicalmente limitativo, de insuperavelmente reacionário. E, no entanto, não se pode rejeitar a riqueza de impressões e descobertas que, em toda a história da civilização, os discursos por imagens deram aos homens.
Uma sábia política cultural (ou melhor, uma sábia política dos homens de cultura, enquanto co-responsáveis, todos, pelo “operação” TV) será a de educar, provavelmente através da TV, os cidadãos do mundo futuro para que saibam temperar a recepção de imagens com uma igualmente rica recepção de informações “escritas”. (ECO, 2001, pp. 363-364).
Conclusão
O uso da técnica novelesca televisiva em sala de aula é plausível, porém esbarra, pelo menos no início de sua implementação, em duas dificuldades principais.
A primeira diz respeito à formação do professor. Para implantação de tal didática, ativa, dinâmica, o docente tem de fazer o papel do diretor da novela, coordenando os trabalhos, fazendo cortes, dando vida às cenas e sugerindo temas e posturas.
A segunda dificuldade seria o comportamento dos alunos, a disciplina, à aceitação da nova didática.
Pedagogicamente, a experiência seria enriquecedora, ainda mais que envolveria a participação real de todos os alunos, cooperando na recuperação de alunos mais atrasados e com problemas de comportamento.
A proposta da técnica de novela em sala de aula tem o lado bastante positivo de arejar o ambiente escolar, além do seu caráter de aprender se divertindo, dependendo dos meios de que lança mão para se alcançar a aprendizagem.
Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais – MEC?SEF, Brasília: 1998.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Ed. Perspectiva. São Paulo, 2001
FREIRE, Paulo. A Educação Bancária, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1987.
SANTOS, Theobaldo M. Noções de prática de ensino. 6ª ed. , CIC. Editora Nacional, São Paulo: 1961
VEIGA, Ilma P. de A. Repensando a didática. 11ª ed., Papirus ED., Campinas-SP: 1996.
O fenômeno da imagem televisiva integrada, chegada ao nosso país na década de 1950, marcou o inicio de um meio de comunicação de massas imbatível em todos os segmentos da arte, de marketing, do jornalismo informativo e cultural, da dramaturgia e do entretenimento.
Das produções que a televisão oferece ao espectador, as novelas têm sido uma espécie de carro-chefe de suas programações. Com hora marcada e em todos os dias da semana o público novelesco se acomoda no sofá e acompanha, atenciosamente, o desenrolar de mais um capítulo do drama proposto. Esses temas, apesar de variados, obedecem a um determinado chavão, uma receita praticamente única, mas que, milagrosamente, prende a atenção dos telespectadores, só permitindo algum diálogo nos intervalos de publicidade. Perder algum capítulo do drama provoca lamentações.
Pergunta-se, então: porque não utilizar o mesmo método discursivo das novelas em sala de aula? Seria possível prender a atenção do aluno com a mesma técnica?
Será o que se pretende responder a seguir.
Palavras-chave: Televisão. Novelas. Professor. Aulas.
Abstract
The phenomenon of the image integrated televisiva, arrival to our country in the decade of 1950, marked him/it I begin of a middle of communication of masses unbeatable in all the segments of the art, of marketing, of the informative and cultural journalism, of the dramaturgia and of the entertainment.
Of the productions that the television offers to the spectator, the soap operas have been a type of car-boss of your programmings. With marked hour and in everyday of the week the public novelesco makes comfortable in the sofa and it accompanies, respectfully, uncoiling of one more chapter of the proposed drama. Those themes, in spite of varied, obey a certain cliché, a revenue practically only, but that, milagrosamente, arrests the viewers' attention, only allowing some dialogue in the publicity intervals. To lose some chapter of the drama provokes lamentations.
Does he/she/you wonder, then: because not to use the same discursive method of the soap operas in class room? Would it be possible to arrest the student's attention with the same technique?
It will be what she intend to answer to proceed.
Key-Word: Television. Soap operas. Teacher. Classes.
Introdução
Diante do fenômeno televisional e das estruturas operativas que aciona, será interessante examinar a contribuição que a experiência de produção televisional pode proporcional à reflexão estética, quer para reafirmação de posições já consolidadas, quer como estímulo – perante um fato não enquadrável em categorias determinadas ao alargamento e à reformulação de algumas definições teóricas.
Examinando-se os discursos até agora conduzidos em torno do fato “televisão”, torna-se consciente de que deles emergiram alguns temas notáveis, mas que a discussão desses temas, utilíssima para um desenvolvimento artístico da prática televisional, não traz nenhuma contribuição estimulante à educação. Por contribuição estimulante entenda-se “algo de novo”, que rejeite as justificativas já existentes e solicite a revisão das definições abstratas que pretendem referir-se a ela.
Fala-se em “espaço” televisivo – determinado pelas dimensões do vídeo tipo característico de profundidade proporcionando pelas objetivas das câmaras de televisão; notaram-se as peculiaridades do “tempo” televisional que, freqüentemente, se identifica com o tempo real ( na transmissão direta de acontecimentos ou espetáculos), sempre especificado pela relação com seu espaço e com um público em predisposição psicológica característica; e falou-se também da especialíssima relação comunicativa entre televisão e público, renovada pela própria disposição ambiental dos receptores, agrupadas em entidades numérica e qualitativamente diferentes das entidades dos espectadores de outros espetáculos (de forma a permitir ao individuo a margem máxima de isolamento, e a colocar em segundo plano o fator “coletividade”. Todos estes são problemas que o roteirista, o diretor, o produtor de televisão enfrentam continuamente constituindo pontos de interrogação e de programa para uma poética da Televisão.
Entretanto, o fato de cada meio de comunicação artística ter seu “espaço”, seu “tempo” e sua relação pessoal com aquele que usufrui, no plano filosófico traduz-se justamente na constatação e definição do fato em si. Os problemas ligados à operação televisional nada mais fazem que reconfirmar o discurso filosófico que atribui a todo “gênero” de arte o diálogo com uma matéria própria e a instauração de uma gramática e de um léxico próprios. Nesse sentido, essa problemática televisional não oferece ao pesquisador mais do que as outras artes já lhe tenham proposto.
Essa afirmação poderia ser definitiva se, pelo fato de se falar em “estética”, se tomasse em consideração apenas o aspecto claramente “artístico” do meio de televisão, a produção de novelas, comédias, musicais, espetáculos em sentido tradicional.
A novela televisiva, prática quase que exclusivamente levada ao ar nos canais sul-americanos, e o Brasil, inclusive, através da Rede Globo, tem sido grande exportador deste produto.
A questão que se levanta neste trabalho é a seguinte: como o professor, em sala de aula, poderia usar a técnica novelesca para atrair a atenção de seus alunos e, com isso, conseguir melhores resultados no processo ensino-aprendizagem.
Metodologia
Este trabalho teve como base o acompanhamento de alguns capítulos da novela “A Favorita”, que é levada ao ar, de segunda aos sábados, pela Rede Globo de Televisão. Durante as transmissões foi se anotando alguns tópicos principais que envolvem a trama, alguns aspectos técnicos que foi possível observar, já que a novela televisiva apresenta uma dinâmica toda própria, sendo difícil acompanhar a totalidade do seu desenvolvimento.
Procurou-se então, comparar a dinâmica da novela com aquela que acontece em sala de aula, buscando traçar um paralelo das duas formas de atingir o público alvo.
Resultados e discussões
O que mais se ressalta na trama de uma novela é o dinamismo. Seu autor coloca em ação uma série de atores, que de inicio parecem estar colocados em pequenos grupos, cada um deles revelando um determinado problema. Esses pequenos grupos vão, aos poucos, por acasos ou encontros fortuitos, justando-se uns aos outros e, geralmente, a partir de vários capítulos, estão todos entrelaçados na trama geral.
O autor faz algumas divisões de personagens com respeito ao caráter de cada um, situação econômica, as paixões, os ódios, as disputas por um determinado nicho, mas todos deixando claro um objetivo a atingir.
Esse objetivo a ser atingido, seja econômico, seja um “status” ou a conquista de um amor provoca as situações em que heróis e heroínas, vilões e vilãs se degladiam, sendo que estes últimos usam de meios inescrupulosos para alcançar suas pretensões, enquanto aqueles, na maior parte do drama, sofrem horrores e, mesmo sendo de boa índole, são as vítimas, que só alcançam a paz e a felicidade nos capítulos finais da novela.
Com poucas diferenças de uma novela para outra, este esquema acontece em todos os dramas televisivos.
A ação de cada quadro transcorre rapidamente, atingindo um determinado clímax e, imediatamente é transferido para outro, e assim por diante, até que as ações vão se entrelaçando uma às outras, formando um conjunto cênico que vai provocando o entendimento do telespectador e aos poucos identificando “quem é quem” na trama.
Ao final de cada capítulo, fica no ar uma ação de suspense, deixando antever o que irá acontecer no capítulo seguinte, aguçando a curiosidade do público pelo que possa vir a acontecer a seguir.
Essa mescla de cenas dolorosas, apaixonadas e cômicas configura uma outra receita comum usada nas novelas, em que o autor vai dosando a carga de emoções que envolvem o drama. O tema das novelas buscam sempre realçar algum aspecto de nossa realidade. Por exemplo: problemas ambientais, clonagem, disputa por herança, por cargos em empresas, injustiças, perseguições, amor, ódio, inveja, corrupção, a vida como ela é, em suas diversas nuances, dramatizada, ao vivo e as cores.
Essa técnica novelesca, ativa, dinâmica, acelerada, multifacetada, leva o telespectador de um quadro para outro, de uma personagem para outra de um cenário para outro, com riqueza de detalhes, experiências psicológicas do caráter e comportamentos humanos, fazendo com que o
público fique “grudado” na tela, ansioso para que chegue o dia seguinte para assistir a seqüência do capítulo interior.
Como se pode perceber, a curiosidade, a dinâmica, a novidade e a ação, que fazem da novela o sucesso de público comprovado pelas pesquisas especializadas.
O mesmo não se pode afirmar no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem dos alunos nos cursos regulares da rede educacional. Existem inúmeras receitas para que se evite o fracasso escolar mas, na prática, ainda não se chegou a um denominador comum no que tange ao sucesso, tanto do aluno quanto do professor, seja na assimilação ou na transmissão do conhecimento.
Ensinar não é transmitir dogmaticamente conhecimentos, mas dirigir e incentivar com habilidade e método, a atividade espontânea e criadora do educando. Nessas condições o ensino compreende todas as operações e processos que favorecem e estimulam o curso vivo e dinâmico da aprendizagem. (SANTOS, 1961, p. 12)
Segundo Veiga (1996) existem alguns princípios importantes a serem considerados por todos os que se preocupam com a aprendizagem:
A aprendizagem deve envolver o aluno, ter um significado com o seu contexto, para que realmente aconteça;
A aprendizagem é pessoal, pois envolve mudanças individuais;
Objetivos reais devem ser estabelecidos para que a aprendizagem possa ser significativa para os alunos;
Como a aprendizagem se faz num processo contínuo, ela precisa ser acompanhada de feedback, visando fornecer os dados para eventuais correções;
como a aprendizagem envolve todos os elementos do sistema, o bom relacionamento interpessoal é fundamental.
No entanto, conforme afirma Veiga (1996, p. 35), na realidade das escolas, quando procuramos decodificar o significado de ensinar, as idéias definem o professor como agente principal e responsável pelo ensino, sendo as atividades centralizadas em suas qualidades e habilidades. Aprender também relaciona um único agente principal e responsável, o aprendiz (aluno), estando as atividades centradas em suas capacidades, possibilidades e condições para que aprenda.
Diante deste contexto, percebe-se que o perfil do educador não mudou quase nada nas últimas décadas. Na verdade, poucos são os que fogem ao conceito de “educação bancária”, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam que nada sabem, cabendo aos sábios dar, entregar, transmitir o seu grande saber. Portanto, a educação se torna um simples ato de depositar conhecimentos, onde os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Infelizmente a didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva que deve ser copiada e decorada.
De acordo com Freyre (1987), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam entre si, mediatizados pelo mundo”, ou seja, a educação é problematizadora e, como prática de liberdade, exige de seus “personagens” uma nova concepção de comportamento. Ambos são educadores e educandos aprendendo e ensinando em conjunto, mediatizados pelo mundo.
Seguindo essa linha, o educador passa a ser o problematizador, que desafia os educandos que são agora investigadores críticos, permeados por constantes “diálogos”, pois a educação para prática de liberdade deve negar o conceito de isolamento e abstração do ser humano, tornando o mundo uma presença constante em seu diálogo.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998):
Ao pressupormos o ser humano como agente social e produtor de cultura, evocamos a emergência de suas histórias, delineadas no movimento do tempo em interação com o movimento no espaço.
Esse movimento, por sua vez, é mediado por diferentes linguagens, cujas expressões denotam traços de conhecimentos, valores e tradições de um povo, de uma etnia ou de um determinado grupo social. Nesse contexto, as “imagens” construídas pelos gestos, pelos sons, pela fala, pela plasticidade e pelo silêncio implicam conteúdos relevantes para a construção da identidade, pois é nesse universo plural de significados e sentidos que as pessoas se reconhecem na sua singularidade. (PCNs, 1998, pp. 155-156).
Adotando essa postura plural e singular, pode-se encontrar diferentes formas de expressão das identidades étnicas. Na música, há possibilidades de explorar essa expressão pela origem dos ritmos, pelas características melódicas e pelos instrumentos utilizados. Nos ritos, a representação – como na dança da colheita, da chuva, da guerra e a estética dos movimentos oferecem subsídios para a compreensão das identidades culturais.
Na escultura é possível encontrar elementos para o trabalho escolar no uso de materiais conforme a Tradição – pedra, barro, ferro, cobre, metal, materiais recicláveis e a criação da
forma na relação do homem com os elementos da natureza. Na pintura o mesmo se dá pelo efeito de sentido na interação das cores, traços, movimentos, figuras, expressando as relações do ser humano com o outro e com a natureza.
Usando-se o teatro, podem-se desenvolver estudos e atividades sobre o caráter sacro-profano do espaço teatral, com arenas, olimpos, púlpitos, o que há de atrair a atenção do adolescente, em particular ao propiciar que integre suas vivências nesse campo, com o que se analisa na escola.
Já no ensino de literatura, há um trabalho fértil a ser realizado sobre os movimentos e as escolas literárias, particularmente tendo em vista a construção da identidade nacional, como obra constante e coletividade; a visão crítica dos valores de diferentes épocas; a denúncia ou as reivindicações de diversos grupos sociais, por intermédio de suas criações literárias.
Cabe lembrar, ainda, a necessidade de trabalhar linguagens do mundo contemporâneo, em sua interação na vida cotidiana (a televisão, a Internet, jornais diários, revistas e outras).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), o trabalho com a proposta de transversalidade se define em torno de quatro pontos:
a) Os temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamento integrado nas diferentes áreas;
b) A proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva política-social se expresse no direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de objetivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as orientações didáticas;
c) A perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe o confinamento da atuação dos professores às atividades pedagogicamente formalizadas e amplia a responsabilidade com a formação dos alunos. Os temas transversais permeiam necessariamente toda a prática educativa que abarca relações entre os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar;
d) A inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas. Por exemplo, se é desejável que os alunos desenvolvam uma postura de respeito às diferenças, é fundamental que isso seja tratado desde o início da escolaridade e que continue sendo tratado cada vez com maiores possibilidades de reflexão, compreensão e autonomia. Muitas vezes essas questões são vistas como sendo da “natureza” dos alunos (eles são ou não disciplinados), ou atribuídas ao fato de terem tido ou não essa educação em casa. Outras vezes são vistas como aprendizados possíveis somente quando jovens (maiores) ou quando adultos. Sabe-se, entretanto, que é um processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda a escolaridade e que a contribuição da educação escolar é de natureza complementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente. (PCNs, 1998, p.p. 28,29)
Isto posto, dentro das linhas gerais da dramaturgia novelesca e dos princípios bases que regem a didática moderna para o ensino e a aprendizagem pode-se perguntar: como o professor pode prender a atenção do aluno usando das técnicas do autor de novelas?
Foi dito anteriormente, a novela funciona com o entrelaçamento das ações de vários grupos e segmentos que caminham para a formação de um grupo maior, único, através da transversalidade.
As personagens vão pouco-a-pouco dando forma às suas personalidades e se encaixando dentro do enredo cada uma trazendo para a trama que se desenvolve, particularmente, a peça que falta para fechar o círculo da história narrada.
Assim pode, também, ser constituída a aprendizagem, em que os temas sugerido para o ensino são divididos em turmas de trabalho, cada qual dando conta de um determinado segmento da matéria que, ao final, se juntariam para uma redação e avaliação do conjunto.
Cada grupo, sob a orientação do professor, se encarregaria da pesquisa do módulo que lhe coube, desenvolvendo a matéria através de bibliografia, revistas, jornais, Internet, etc., além dos livros didáticos oferecidos pela escola.
Quando todas as equipes terminarem a parte que lhes coube, um por um, eles explanariam a conclusão final de seus estudos para toda a classe e desta forma até o final, quando então se daria a conclusão com a síntese de todo o desenvolvimento da matéria sugerida.
Temas que seriam bem aproveitados pelos alunos na área de transversalidade e usando a técnica de novela, seriam aqueles que abrangem as questões sociais, por ter natureza diferente das áreas convencionais. Tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São debatidos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e de alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação à intervenção no âmbito social mais amplo quanto à atuação pessoal. São questões urgentes que interrogam sobre a vida humana e a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a essas duas dimensões.
Nas várias áreas do currículo escolar existem, implícita ou explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais, isto é, todos educam em relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que vinculam nos conteúdos, no que elegem como critério de avaliação, na metodologia de trabalho que adotam, nas situações didáticas que propõem aos alunos. Por outro lado, sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para explicá-los; ao contrário, a problemática dos temas transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento, prestando-se a serem expostos pelos alunos através de seminários e dramatizações, através da música e da dança.
Por exemplo, ainda que a programação desenvolvida não se refira diretamente à questão ambiental e que a escola não tenha nenhum trabalho nesse sentido, a Literatura, a Geografia, a História e as Ciências Naturais sempre veiculam alguma concepção de ambiente, valorizam ou desvalorizam determinadas idéias e ações, explicam ou não determinadas questões, tratam de determinados conteúdos; e, nesse sentido, efetivam uma “certa” educação ambiental. A questão ambiental não é compreensível apenas a partir das contribuições da Geografia. Necessita de conhecimentos históricos das Ciências Naturais, da Sociologia, da Economia, entre outros.
No livro “Apocalípticos e Integrados” (2001), Umberto Eco faz o seguinte comentário sobre o veículo Televisão:
É grave, de fato, não se perceber que, embora a TV tenha constituído um puro fenômeno sociológico até agora incapaz de dar vida a verdadeiras criações artística, todavia, justamente como fenômeno sociológico, surge como capaz de instituir gostos e propensões, de criar necessidades de apreciação tais que, a curto prazo, se tornam determinantes para os fins da evolução cultural, também em terreno estético. (ECO, 2001, p. 330)
A postura de Umberto Eco no parágrafo acima, deixa vislumbrar ser perfeitamente possível o uso das técnicas televisivas para suporte de outras práticas que não só visem o espetáculo ou a notícia.
Daí, portanto, a importância de certos estudos psicológicos (situações do espectador diante do vídeo) e sociológicos (modificações introduzida pelo exercício contínuo dessa situação nos grupos humanos, bem como tipos de exigências que os grupos dirigem ao meio de comunicação); dos quais derivam, em seguida, problemas de psicologia social (novas atitudes coletivas, reações motivadas por um novo tipo de relação psicológica exercitada em particular situação sociológica; com todas as conseqüências daí advindas para a história da cultura) e, portanto, de antropologia cultural (crescimento de novos mitos, tabus, sistemas assuntivos), de pedagogia e, naturalmente de política. (ECO, 2001, p. 337)
Neste compasso, Umberto Eco faz um alerta sobre a educação através das imagens, embora não desmereça totalmente as suas possibilidades:
A imagem é o resumo visível e indiscutível de uma série de conclusões a que se chegou através da elaboração cultural; e a elaboração cultural que se vale da palavra transmitida por escrito é apanágio da elite dirigente, ao passo que a imagem final é construída para a massa submetida. Nesse sentido, têm razão os manifueus: há, na comunicação pela imagem, algo de radicalmente limitativo, de insuperavelmente reacionário. E, no entanto, não se pode rejeitar a riqueza de impressões e descobertas que, em toda a história da civilização, os discursos por imagens deram aos homens.
Uma sábia política cultural (ou melhor, uma sábia política dos homens de cultura, enquanto co-responsáveis, todos, pelo “operação” TV) será a de educar, provavelmente através da TV, os cidadãos do mundo futuro para que saibam temperar a recepção de imagens com uma igualmente rica recepção de informações “escritas”. (ECO, 2001, pp. 363-364).
Conclusão
O uso da técnica novelesca televisiva em sala de aula é plausível, porém esbarra, pelo menos no início de sua implementação, em duas dificuldades principais.
A primeira diz respeito à formação do professor. Para implantação de tal didática, ativa, dinâmica, o docente tem de fazer o papel do diretor da novela, coordenando os trabalhos, fazendo cortes, dando vida às cenas e sugerindo temas e posturas.
A segunda dificuldade seria o comportamento dos alunos, a disciplina, à aceitação da nova didática.
Pedagogicamente, a experiência seria enriquecedora, ainda mais que envolveria a participação real de todos os alunos, cooperando na recuperação de alunos mais atrasados e com problemas de comportamento.
A proposta da técnica de novela em sala de aula tem o lado bastante positivo de arejar o ambiente escolar, além do seu caráter de aprender se divertindo, dependendo dos meios de que lança mão para se alcançar a aprendizagem.
Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais – MEC?SEF, Brasília: 1998.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Ed. Perspectiva. São Paulo, 2001
FREIRE, Paulo. A Educação Bancária, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1987.
SANTOS, Theobaldo M. Noções de prática de ensino. 6ª ed. , CIC. Editora Nacional, São Paulo: 1961
VEIGA, Ilma P. de A. Repensando a didática. 11ª ed., Papirus ED., Campinas-SP: 1996.
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